Adulto é não ter a quem culpar

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“Minha vida como adulta tem sido um fiasco.” disse uma amiga ontem à noite.

O problema a que ela se referia era o cálculo do imposto de renda, que sempre vinha como surpresa do contador.

Me identifiquei imediatamente, e fui obrigada a repensar o que a palavra adulta significava pra mim.

Chegaria 10 minutos mais cedo.

Lembraria de checar a previsão do tempo e trazer o guarda-chuva.

Meu armário seria dividido por cores.

Na minha imaginação, eu teria terninhos passados e meias finas 3/4.

A adulta que eu imaginei não só cozinharia muito, mas manteria um escorredor de louça vazio, a casa cheirando a bolo no sábado à tarde.

Ela saberia os políticos de cada partido e o sentido das letras em inglês.

Quando eu era pequena, pensava que ser adulto era ter rotina para refeições e excesso de cautela no consumo de açúcar, falar de política e ter certezas.

Estranhamente, quase nada do conhecimento que me parecia intrínseco da idade adulta veio com o tempo.

Eu, que achava que ser adulto era controle, ao virar adulta descobri que ser adulto é liberdade.

É poder escolher a hora de dormir e de acordar, sabendo as consequências de uma noite em claro.

É poder comer o que se quer, ciente de que o colesterol muda conforme a dieta.

É poder se dar ao luxo de poder mudar de trabalho, de ramo, de cidade, de estado civil sem aviso prévio.

Adulto é não ter a quem culpar. É saber que a única pessoa que transformar a sua vida é aquela que você vê no espelho.

Os amigos da infância e da adolescência vêm com a gente pra vida adulta e é graças a eles que eu percebo que está tudo bem.

Comparado com o tempo em que compartilhávamos os uniformes do colégio, nossas vidas agora variam bastante.

De casada com filhos a fugindo de relacionamento estável, nós nos entendemos e nos apoiamos na nossa liberdade.

Ser adulto é julgar menos e ter mais espaço pro amor.

É entender o preço de não pedir permissão e abraçar o inesperado com mais paciência.

É finalmente conseguir olhar para os nossos pais como pessoas e admirá-los por cada sacríficio pela nossa infância.

É entender que o tempo das coisas não nos pertence.

Adultos têm seu próprio jeito de pedir colo: uma ligação pra mãe, uma consulta pra hoje, um abraço no meio da madrugada com aquele sentimento de “que bom, você está aqui.”

O passar dos anos nos permite chorar sem plateia e desenvolver uma relação mais carinhosa com a natureza, com as crianças e com a nossa casa. Enquanto adolescentes adoram sair, adultos adoram voltar.

Quando se trata de carreira, é possível que os títulos tenham perdido um pouco do brilho. Nos vinte, a gente quer crescer rápido. Nos trinta, a gente quer crescer bem.

Por mais que busquemos reconhecimento, a gente sabe bem lá no fundo que bem sucedido é quem é feliz.

Alguns controlam finanças com Excel, outros com débito automático.

Há quem agrupe os holerites, há quem os perca na primeira oportunidade.

Não há fiasco nenhum nisso.

Fiasco seria manter a ilusão de que estamos no controle de tudo e ignorar o milagre diário que é ter saúde e tempo.

Por isso, amiga querida, eu convido você a olhar pra sua vida de adulto sob essa nova perspectiva.

Duvido que você não seja um exemplo.

É aqui que eu sou.

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Comprei três cactos pequenininhos. Mesmo preço, mesmo mini vaso, mas de modelos diferentes. Coloquei-os na estante da sala, com bastante luz, como mandavam as instruções.

Com água e amor, as plantinhas foram crescendo. Todas menos uma. O cacto das flores rosinhas parecia mais abatido a cada semana. Eu via o esforço dos ramos tentando chegar mais longe, mas brotos morriam rapidamente.

Mesma luz, mesmo carinho. Enquanto os outros floresciam, esse meio que descascava. Quando decidimos mudar de cidade, os cactos vieram junto. Sem estante no novo apartamento, coloquei-os no meu criado mudo, longe da janela.

A claridade de Sydney foi substuida pelo infinito mormaço de Melbourne. Inverno. Sombra. Noite. Meus dois cactos mais fortes não gostaram da mudança e pararam de crescer. Já o rosa, que sempre me preocupou, resolveu se revelar.

Lançou suas flores na cor certa.

Cresceu folhas gorduchinhas.

Curou-se das casquinhas e me disse, sem palavras, é aqui que eu sou. 

Ontem, numa conversa com o meu irmão, eu lembrei do cacto. É tentador querer ignorar a nossa natureza e pensar que o que a gente precisa é parecido com o que os outros têm. Ao meu ver, essa perspectiva pode ser uma ilusão.

Se os cactos, simples como são, têm seus próprios critérios, imagina a uma pessoa, com vontades e raízes tão mais profundas?

Talvez seja benéfico para a nossa própria sanidade substituir a angústia do “Por que eu não cresço aqui?” pela liberdade de simplesmente reconhecer as nossas limitações e seguir em busca de terrenos mais férteis.

Há frutas que nascem na beira da estrada.

Há flores que precisam de estufa.

Há árvores que se fortalecem ao brigar com o vento.

Um dente de leão se desmancha para reviver lá longe.

Temos poderes diferentes. Que tenhamos paciência para encontrar as nossas forças e alcançar a grandiosidade dentro dos nossos termos (ou dos nossos vasinhos : )

Um mundo no apartamento

Lembra do tempo que a gente achava que se conhecia?

E nossa casa ainda não era um emaranhado de extensões e carregadores?

De quando eu nunca tinha espiado as suas reuniões de trabalho?

Ou interrompido suas conversas com o meu secador de cabelo?

Lembra do tempo que a gente achava que se conhecia?

De quando não se precisava programar as idas ao supermercado?

De quando domingo era café na padaria?

De quando a gente se dava ao luxo de desejar só amor no reveillón?

Nesses seis meses junto, trancados em casa,

inventamos receita, repetimos assuntos,

festejamos sozinhos e nos entediamos a dois.

Seis loucos meses trocando o canal.

Cozinhando, dormindo, aguardando.

Embaralhando a rotina só pra ver como fica.

Precisei de amigo, foi você.

Precisei de família, foi você.

Precisei de remédio, você foi.

Eu desejo pra nós um mundo

maior que esse apartamento.

No meio de uma pandemia,

te amo por tudo que eu já sabia

e por tudo que eu não esperava.

O que não se explica dói também.

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Falo com as que estão se sentindo no poço, no fundo do poço, o limo do fundo.

Falo com quem acordou no meio da noite ligeiramente ofegante, com quem se acabou no vinho tinto ou no Paracetamol, pra quem repetiu pra si mesmo “eu tenho que disfarçar essa minha vontade de chorar” e chorou.

Falo porque talvez vocês não tenham falado muito ultimamente, pelo menos não sobre o que importa.

Ninguém quer espalhar lamento num tempo em que quem tem saúde não tem o que reclamar.

Mas se você tem, a saúde e as mágoas, eu entendo.

A tristeza não vem sempre assim tão racional.

Mesmo quem tem cama, comida e carinho pode não querer comemorar.

Não é sempre, mas tem esses dias que a conta não fecha.

Que a balança pende pro lado contrário, que a gente olha pra falta e enxerga só o buraco.

Vai passar, tá?

Eu não sei quantas séries inúteis a gente vai aguentar, do sofá pro tapete nesses dias repetidos, mas eu sei que vai passar.

A gente ainda vai se abraçar de novo numa volta de aeroporto e rir sem respeitar distância.

A gente ainda vai sentar em 7 numa mesa de 4 depois do trabalho, cochichar no ouvido, festejar, viajar, ver o mar.

Vai dar tempo de achar um emprego, vai dar tempo de ver as crianças crescendo e mimar nossos pais.

2020 talvez seja o mais triste de todos os anos.

Ninguém passou por isso antes, então é normal se você não souber o que sentir.

Fuja de quem não tem empatia pra escutar ou quiser provar por A+B que “vocē não tem motivo para estar assim”.

Você sabe e eu sei:

O que não se explica dói também.

A gente vai, o amor fica.

Photo by Frankie Lopez on Unsplash

A gente vai embora. Desculpa lembrar. Eu, você, seus amigos. Sabemos disso desde o começo, mas toda vez que lembramos essa partida vem como um susto, algo inesperado. A notícia se alastra como os vírus que vemos na televisão: primeiro a família, amigos próximos, colegas de trabalho. Para cada pessoa que morre, existe um círculo de feridos com essa dor, essa angústia, essa mistura de tristeza e protesto que nos contagia sempre que sabemos alguém se foi.

Parece mesmo muita injustiça ser tirado daqui sem aviso prévio. A gente vai e não leva nem uma escova de dente. Quem dirá os móveis planejados, a conta bancária, os diplomas que batalhamos tanto pra conseguir. Vamos e deixamos inclusive esse corpo que a gente fala mal quando olha no espelho e o cabelo que cresce deixando raiz.

Estranhamente, boa parte do que nos preocupa importa pouco ou muito pouco para quem fica. As rugas na testa, os sinais no colo, a gordura localizada contra a qual travamos batalha. Ninguém liga.

Pouco importam também o nosso cargo ou a falta dele. Seremos lembrados por coisas mais simples: como a amiga que sabe guardar segredos, ou aquela que fazia todo mundo rir. Como quem se mantinha firme na tempestade ou fazia do seu coração um abrigo. Por mais que o sucesso seja reverenciável, nossos outros papéis contam mais: o de filhos, de pais, de vizinhos de prédio ou companheiros de canastra.

Só não digo que deixamos tudo porque ficam as relações. Ficam os exemplos, as bandeiras que defendemos, aquilo que ensinamos. Ficam, acima de tudo, os que ficam sem uma parte. Enquanto a gente se contorce em busca de propósito, aqueles que nos amam têm muito claro o quanto a gente significa. Parece ironia ter que seguir em frente com esse buraco, mas a vida é religiosa em seguir acontecendo.

Com o passar do tempo, a dor dá lugar a algumas certezas: a certeza que precisamos fazer festas de aniversário maiores, que precisamos responder mensagens de amigos com mais urgência, a certeza de que os nossos planos, mesmos os mais estruturados, são apenas uma possibiliade e o nosso tempo não é garantido.

Existe muita gente que eu levo dentro de mim e que eu preciso que estejam bem para que eu tenha um dia feliz. Amigos, primos, pessoas que fizeram parte das minhas aventuras de colégio e outros com quem convivi muito pouco, mas o suficiente para conquistarem o meu carinho por toda a eternidade. Nossas conexões mais relevantes não precisam de internet. Há muita gente que eu amo sem dizer e que me alegra pelo fato de existirem.

Eu cresci ouvindo que “Deus é amor”, mas sempre preferi o contrário. No meu pouco entendimento, o amor é Deus. É essa troca, é esse se importar que dá sentido à nossa existência. O amor está aqui, claro, consistente, falível (porque somos humanos), mas incontestável. O amor nos torna insubstituíveis e absolutamente vulneráveis, nos dá base, esperança e direção.

Um dia, voltaremos pro Universo com o mesmo descompromisso com que chegamos.

A gente vai, o amor fica.

Amor não precisa de corpo.

Quantos anos você tem mesmo?

Photo by Crystal de Passillé-Chabot on Unsplash

Meu aniversário este ano foi diferente. Diferente dos outros, que chegam leves e felizes, esse veio com peso de data de validade. 36 não é 35. Nem que seja por um dia, agora você já passou da linha da idade certa. As noites que antecederam o “meu dia” foram preenchidas por leituras sobre congelamento de óvulos, adoção, e porcentagens sobre o risco de uma gravidez tardia. Independente da fonte, todas as matérias concordam que seria benéfico ter começado antes. 32 era melhor que 35. A pesquisa me fez pensar sobre a importância da data de nascimento.

Não tenho nenhuma dúvida de que o tempo é soberano. As rugas aparecem, os joelhos cansam, minha disposição para ficar acordada a noite toda, por exemplo, foi embora assim que eu terminei a faculdade. Hoje em dia, ressaca às vezes tem sintomas de doença grave e eu sinto falta da época em que drinks extras eram simplesmente motivo para rir no café da manhã. Outras coisas, por outro lado, não mudaram muito. Tenho preguiça de dobrar roupas exatamente como quando adolescente. Gosto de salgadinhos como criança. Só não digo que a minha disposição esportiva é de uma pessoa idosa para não ofender pessoas idosas. Em comédias românticas, eu tenho 16. Em filmes de terror, me assusto como se tivesse 6 e continuo fechando os olhos nas cenas de crime. 

O que eu vejo, na prática, é que enquanto a gente varia de idade durante o dia, às vezes conforme o humor, a presença ou não de sol ou de companhia agradável, o ano da carteira de identidade continua exercendo sobre nós um poder constante. Essa pressão vai muito além dos “16 para votar” e  dos “18 para dirigir”. Casar antes dos 32, ter o primeiro filho antes dos 35, o segundo antes dos 38. Comprar um apartamento antes dos 40. Construir uma carreira antes dos 42. Em 2019, a minha sensação é que ainda estamos pautados por essa corrida de obstáculos como se a vida fosse terminar aos 60.

Às vezes, a vida termina amanhã. A gincana, mais do que produtiva, me parece apenas estressante. Em vez de levantar a bandeira da idade, como muita gente faz, ou escondê-la, eu queria que fosse possível, simplesmente, não focar tanto nisso. Que todo o mundo tenha o direito de recomeçar quantas vezes forem necessárias, que estabilidade não se torne uma obrigação, que a gente consiga admirar o outro pela persistência, inteligência, flexibilidade, sem usar o parâmetro silencioso do “nova” ou “velha” demais. 

O espelho sabe quantos anos eu tenho. Essa sensação de fracasso ao passar por todos esses prazos sem conseguir vencê-los não ajuda a manter um olhar positivo sobre nós mesmos. A gente perde um pouco do brilho e do amor próprio toda vez que se ajusta para caber nessas expectativas apertadas que a gente nem sabe quando criou. 

Antes de culpar as pressões alheias, talvez seja uma boa hora para reconhecer as nossas. Talvez precisaremos de um botox para nos manter otimistas e entender que o mundo mudou mesmo. Nós temos mais liberdade, mais escolhas. Em boa parte dos casos, a nossa linha do tempo vai ser diferente da dos nossos pais. Nem todos os casamentos duram para sempre, salários promissores não são a regra. Afirmo, por experiência própria, que ficar para tia está longe de ser uma derrota.

Independente da data, o meu desejo para mim e todos vocês é que a gente continue corajoso. Depois de pensar sobre os aniversários, concluí que o oposto da juventude não é a velhice. 

O oposto da juventude é o medo.

Conversas comigo mesma durante um treino funcional

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Me dá um texto pra revisar, um discurso pra escrever, um manual pra explicar, uma pergunta pra entender, mas por favor, 10 burpees não.

Eu já estou na academia, tá? Valoriza. Três dias na sequência. Uau. Me deixa aqui nos pesinhos que eu gosto. E não me olha com essa empolgação ao me apresentar uma caixa pra eu pular. Detesto decepcionar, mas não faz o menor sentido. Eu mal ando em linha reta, moço. Às vezes eu tropeço sozinha e nem é tão raro. Se eu vejo uma caixa desse tamanho na rua, eu passo pelo lado. Sempre. Aliás, vamos combinar: saco de areia nas costas? Arrastar peso? Esse treinamento seria mais útil se eu tivesse planos de trabalhar com mudança ou fugir da polícia. Claro, sim, tem o verão. Faço as contas pra quantos dias faltam pro fim do ano e já começo a pensar que deveria ter começado a malhar uma semana antes do Natal só pra não ter tempo de desanimar. Estamos quase em 2020, e o único jeito de ficar forte é fazendo força? Antigo. Talvez essa seja a desculpa mais sem cabimento que você já escutou, mas eu acho que na vida passada eu fui uma planta. Falando nisso, coloquei “verão” como meu objetivo de treino, mas devia ter sido mais específica. Esquece o biquini, moço. O que eu queria mesmo era ser um coqueiro.

Coisas estranhas que eu chamo de amor:

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Docinho. Salgadinho. Queijo. Pão de Queijo. Vinho. Mousse de chocolate. Em tempos de dietas fitness, peço permissão para ser um pouquinho ignorante. Semana passada descobri que o meu jeito de mostrar que eu gosto de alguém inclui açúcar, conservante, se possível, graduação alcoolica.

Jamais convidei alguém para vir a minha casa e tomar sopa. Comer salada, se e somente se incluir presunto parma, queijo gorgonzola e nozes carameladas. Neste caso, podemos dizer, o papel do alface é apenas figurativo. Se tivermos muito em comum, vamos terminar a primeira garrafa de vinho, talvez eu abra a segunda. Na manhã seguinte, é possível que eu acorde com dor de cabeça, mas as chances de arrependimento são mínimas.

Na minha casa, amor é uma mesa cheia. Minha mãe faz bolos quando tem visita. Eu fico feliz com a cozinha quente, o fogão aceso e um menu que sempre considera convidados a mais só pra ter certeza de que não vai faltar. Nos sábados, minha vida tem arroz saindo do forno, sobremesa e refrigerante.

Sempre foi assim? Não. Quando eu era pequena, refrigerante era liberado só no final de semana e todos os sucos eram naturais. No recreio, minha lancheira era feita em casa e o resultado não foi lá o esperado: eu cresci vendo meus coleguinhas tomando suco de caixinha e comendo bolacha recheada, desejando que o meu lanche fosse como o deles.

Hoje em dia eu como de tudo, mas vim aqui confessar o meu amor pelo que se condena. Dói meu coração quando vejo alguém julgando um algodão doce. É só açúcar? Olhando pelo lado dos ingredientes, sim. Pelo lado da experiência, eu considero mais que isso.

Algodão doce é o mais próximo que eu consigo imaginar de uma nuvem e é uma sensação mágica sentir o fio derretendo na boca. Eu lembro de comer algodão doce na praia e ver as bordas ficando molhadas com o vento. Lembro da frustração de quando o palito desgrudava do algodão, mas até disso eu gosto. Vejo gente chamando de lixo o que eu sempre considerei diversão. Entendo o ponto de vista, mas não deixo de achar ofensivo. Não é porque uma comida não tem valor nutricional que ela não tem valor nenhum.

Hoje pensa-se duas vezes antes de oferecer qualquer coisa para uma criança e eu vejo que as mães andam cada vez mais preocupadas. Admiro o empenho e cuidado em selecionar o que é mais sustentável e orgânico. Não quero de maneira nenhuma levantar a bandeira do fast-food ou substituir o trabalho de educar pela desculpa preguiçosa do que é mais conveniente. Queria apenas alertá-las, baseada na minha própria experiência. É possível que a aversão a tudo que não é saudável nutra esse amor invertido pelo que não está ao alcance. Vale para os meninos populares da escola e para Sunday do McDonalds.

Tem coisas que não se explica.

Você é.

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Instagram me mandou uma mensagem dizendo que deixaria os likes invisíveis por um tempo. Ao final do texto, declarou sinceramente que “não sabia qual seria o resultado deste experimento”. Pensei comigo “nem nós”. A ideia dessa popularidade oculta me fez pensar em como temos avaliado a qualidade das nossas postagem segundo a atenção que atraímos. Essa métrica se torna um pouco delicada quando aplicada às nossas contas pessoais. Como postamos o nosso dia a dia, não demora muito para que nossa cabeça estabeleça uma relação entre “quanto melhor a vida, mais likes.”  

Embora a lógica faça sentido, não sei dizer ao certo se ela faz bem. Meu feed é cheio de bebês maravilhosamente fofos, frases motivacionais e fotos de viagem. Não acho que as pessoas se importem apenas com a audiência (embora isso conte), mas acredito que estejam interessadas em dividir o que é bom. “Vou mostrar meu carro novo”, “Olha só essa praia”, “Dá pra acreditar nesse prato?” Infelizmente, essa felicidade compartilhada funciona muito bem na teoria. Na vida real, um espaço em que só podemos ser alegres, positivos e cheios de amigos faz qualquer um se sentir extremamente sozinho. 

Não podemos culpar a tecnologia pela falta de sensibilidade do algorítimo, nem culpar a nos mesmos pela nossa inabilidade nos poupar. Na minha opinião, o problema não está na pessoa que posta, nem na que vê, mas na falta de sintonia entre as duas partes. Se um amigo nos procura para dizer que foi demitido, você provavelmente evitaria comentar que acabou de receber uma promoção ou comprar um apartamento, mesmo que você esteja radiante com isso. Entender quando não é hora de comemorar faz parte da nossa natureza. É o nosso jeito de mostrar que você se importa. Seu feed não sabe disso.

O feed não consegue adivinhar a frustração de alguém que está procurando emprego e não consegue sequer uma entrevista, e vai continuar sufocando essa pessoa com posts daquele colega de faculdade que está vencendo na vida, ou aquela conhecida que virou referência na área. Do mesmo modo, casais que estão com dificuldade de engravidar vão se achar os mais incapazes do mundo ao serem bombardeados com fotos de mesversários, chás de revelação e books de recém nascido. Mulheres sem filhos podem pensar que mães são mais felizes. Casados podem pensar que solteiros são mais felizes. Adultos podem pensar que adolescentes são mais felizes. Ao mesmo tempo em que a internet funciona como um grande hall de encontro e apoio, essa ideia constante de que tantos estão mais felizes que nós nos machuca um pouquinho. 

Como humanos, enxergamos o que falta e temos tendência a esquecer que todo mundo é um sucesso e um fracasso ao mesmo tempo.

Não dá pra ser bom em tudo. Tem gente que cozinha bem, tem gente que canta bem, tem gente que sabe fazer dinheiro, tem gente que malha muito, tem gente que ajuda os outros, tem gente que consegue ganhar a vida abrindo produtos no YouTube. O fato de essas pessoas terem uma área muito bem resolvida não significa que todos os planos (familia, amigos, carreira, tempo livre, realização pessoal, passado e futuro) estejam em perfeita harmonia. A vida é uma mesa manca. 

Os posts vão continuar aí e cabe a nós aprender como lidar com isso. Talvez o fato de não termos os likes como prova de aceitação nos faça olhar o conteúdo com mais pureza, como quando viajamos para um país diferente e ainda não entendemos que marcas são mais caras. Será um desafio novo o fato de gostar sem saber se seremos gostados por isso. Como uma prova em que só você sabe a nota, aos populares restará esse prazer de se sentirem influentes, seguidos e amados. A todos os outros nós, pelo menos por enquanto, acredito que alivie esse sentimento de comparação tão difícil de controlar. Que a gente se lembre que não é pior, que não é melhor. A gente só é. 

As ruas ainda têm os mesmos nomes, mas hoje levam a lugares diferentes.

Photo by Cassiano Pomsas on Unsplash

Cai sem querer numa coluna do Cacau Menezes. Um quê de bastidores, um quê de verdade e menções elogiosas a pessoas que eu não conheço. Cacau não muda, pensei comigo ao ler o primeiro parágrafo. Pensar no Cacau me fez lembrar de Florianópolis. Fui imediatamente arremessada às memórias da minha infância.

Quando eu era pequena, a Disney era longe demais. Minha noção de paraíso era a Varinha Mágica, uma papelaria na Esteves Júnior, onde todos os meus sonhos de consumo estavam ao alcance: geleca colorida, lapiseiras, cartolinas e penais de lata. Se eu me comportasse muito bem, era possível que eu ganhasse uma cartela de brincos de adesivo depois da aula, ou aqueles estojos cheios de canetinha, compasso e transferidor de aniversário.

Outra possível recompensa em caso de bom comportamento era pedir um lanche no carro no Kais Ki Dum. Lembranças de um tempo mais inocente, enquanto ainda confiávamos na maionese. Sofisticação, para mim, criança, era comer no Aeroflop e admirar o chafariz do ARS.

O centro do mundo ficava na Pracinha do Catarinense, onde podíamos comprar churros com doce de leite e, nos dias mais interessantes, assistir a uma briga de alguém de outra turma. A Pracinha dos Namorados, menos efervescente, tinha uma banca sempre aberta. Talvez minha primeira noção de loja de conveniência venha de lá. Lembro de comprar raspadinhas, turma da Mônica e envelopes de figurinhas nos finais de semana.

Antes da construção do Shopping Beiramar, a impressão que eu tenho é que cada endereço tinha uma função: roupas de inverno no Entrelaços, brinquedos nas Americanas, uniforme do colégio na Andra, mochilas na Company e sorvete no Seu Didi, em frente ao menino Jesus. Chique era morar em apartamento e passar o verão em Canasvieiras.

Eu conheci a Lagoa antes dos hippies e Jurerê antes das celebridades. Na minha adolescência, o sucesso dos shows no LIC era medido pela fila do morro da Lagoa, enquanto as debutantes do Clube Doze revezavam-se nas colunas do jornal. Fui a incontáveis festas no Café Cancun, que virou El Divino, que virou Cash, que virou Seven, e que foi, antes de tudo isso, uma casa abandonada com um grafitti de sorvete com barata. A Ponte Hercílio Luz sempre esteve interditada. Lembro de ir ao Planeta Atlântida e conhecer o Ibiza, que virou X, que virou Stage, e o Google Maps me diz que continua assim.

Em Florianópolis, as ruas ainda têm os mesmos nomes, mas hoje levam a lugares diferentes. Ao mesmo tempo que celebro as novidades, guardo com muito carinho essa cidade aconchegante e divertida que aconteceu há tanto tempo.

Tudo mudou, menos o Cacau Menezes.