A moça do metrô não tinha um braço.

A moça do metrô não tinha um braço. Reparei quando cheguei mais perto. Estranhei o brilho da unha pintada e só depois percebi a prótese de plástico que, embora imitasse todas as ranhuras de uma mão humana, não parecia, em nenhuma instância, humana.

Seu movimento, com o andar do trem, não condizia com o corpo da moça. Permanecia semi aberta, congelada na eminência de pegar alguma coisa, balançava dura as unhas coloridas. A moça parecia cansada, como todos naquele vagão. Fiquei pensando na sua rotina. Teria lavado o cabelo com uma mão só, assim como vestiu a meia-calça e abotoou a camisa de cetim. Arrumou-se bastante, mas, pelo menos para mim, foi impossível não notar a falta. 
Tentei olhar com mais carinho para a prótese que a princípio me pareceu assustadora. Era a mão da moça. Assim como eu tinha a minha. Reparei nos meus dedos avermelhados pela pressão da sacola, as veias saltadas no dorso. Lembrei que eu tocava. Que eu sentia. Fazia poucas horas que havia amanhecido e eu já tinha precisado tanto de tudo.
Fui inundada por aquela sensação de egoísmo que sempre me percorre quando eu lembro do quanto eu tenho a agradecer. É esquisito: a gente se sente tão inteira, mas é tão limitada. A moça do metrô não tinha um braço. Precisei vê-la para lembrar dos meus.