É aqui que eu sou.

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Comprei três cactos pequenininhos. Mesmo preço, mesmo mini vaso, mas de modelos diferentes. Coloquei-os na estante da sala, com bastante luz, como mandavam as instruções.

Com água e amor, as plantinhas foram crescendo. Todas menos uma. O cacto das flores rosinhas parecia mais abatido a cada semana. Eu via o esforço dos ramos tentando chegar mais longe, mas brotos morriam rapidamente.

Mesma luz, mesmo carinho. Enquanto os outros floresciam, esse meio que descascava. Quando decidimos mudar de cidade, os cactos vieram junto. Sem estante no novo apartamento, coloquei-os no meu criado mudo, longe da janela.

A claridade de Sydney foi substuida pelo infinito mormaço de Melbourne. Inverno. Sombra. Noite. Meus dois cactos mais fortes não gostaram da mudança e pararam de crescer. Já o rosa, que sempre me preocupou, resolveu se revelar.

Lançou suas flores na cor certa.

Cresceu folhas gorduchinhas.

Curou-se das casquinhas e me disse, sem palavras, é aqui que eu sou. 

Ontem, numa conversa com o meu irmão, eu lembrei do cacto. É tentador querer ignorar a nossa natureza e pensar que o que a gente precisa é parecido com o que os outros têm. Ao meu ver, essa perspectiva pode ser uma ilusão.

Se os cactos, simples como são, têm seus próprios critérios, imagina a uma pessoa, com vontades e raízes tão mais profundas?

Talvez seja benéfico para a nossa própria sanidade substituir a angústia do “Por que eu não cresço aqui?” pela liberdade de simplesmente reconhecer as nossas limitações e seguir em busca de terrenos mais férteis.

Há frutas que nascem na beira da estrada.

Há flores que precisam de estufa.

Há árvores que se fortalecem ao brigar com o vento.

Um dente de leão se desmancha para reviver lá longe.

Temos poderes diferentes. Que tenhamos paciência para encontrar as nossas forças e alcançar a grandiosidade dentro dos nossos termos (ou dos nossos vasinhos : )

Um mundo no apartamento

Lembra do tempo que a gente achava que se conhecia?

E nossa casa ainda não era um emaranhado de extensões e carregadores?

De quando eu nunca tinha espiado as suas reuniões de trabalho?

Ou interrompido suas conversas com o meu secador de cabelo?

Lembra do tempo que a gente achava que se conhecia?

De quando não se precisava programar as idas ao supermercado?

De quando domingo era café na padaria?

De quando a gente se dava ao luxo de desejar só amor no reveillón?

Nesses seis meses junto, trancados em casa,

inventamos receita, repetimos assuntos,

festejamos sozinhos e nos entediamos a dois.

Seis loucos meses trocando o canal.

Cozinhando, dormindo, aguardando.

Embaralhando a rotina só pra ver como fica.

Precisei de amigo, foi você.

Precisei de família, foi você.

Precisei de remédio, você foi.

Eu desejo pra nós um mundo

maior que esse apartamento.

No meio de uma pandemia,

te amo por tudo que eu já sabia

e por tudo que eu não esperava.

O que não se explica dói também.

Photo by Kristina Tripkovic on Unsplash

Falo com as que estão se sentindo no poço, no fundo do poço, o limo do fundo.

Falo com quem acordou no meio da noite ligeiramente ofegante, com quem se acabou no vinho tinto ou no Paracetamol, pra quem repetiu pra si mesmo “eu tenho que disfarçar essa minha vontade de chorar” e chorou.

Falo porque talvez vocês não tenham falado muito ultimamente, pelo menos não sobre o que importa.

Ninguém quer espalhar lamento num tempo em que quem tem saúde não tem o que reclamar.

Mas se você tem, a saúde e as mágoas, eu entendo.

A tristeza não vem sempre assim tão racional.

Mesmo quem tem cama, comida e carinho pode não querer comemorar.

Não é sempre, mas tem esses dias que a conta não fecha.

Que a balança pende pro lado contrário, que a gente olha pra falta e enxerga só o buraco.

Vai passar, tá?

Eu não sei quantas séries inúteis a gente vai aguentar, do sofá pro tapete nesses dias repetidos, mas eu sei que vai passar.

A gente ainda vai se abraçar de novo numa volta de aeroporto e rir sem respeitar distância.

A gente ainda vai sentar em 7 numa mesa de 4 depois do trabalho, cochichar no ouvido, festejar, viajar, ver o mar.

Vai dar tempo de achar um emprego, vai dar tempo de ver as crianças crescendo e mimar nossos pais.

2020 talvez seja o mais triste de todos os anos.

Ninguém passou por isso antes, então é normal se você não souber o que sentir.

Fuja de quem não tem empatia pra escutar ou quiser provar por A+B que “vocē não tem motivo para estar assim”.

Você sabe e eu sei:

O que não se explica dói também.

A gente vai, o amor fica.

Photo by Frankie Lopez on Unsplash

A gente vai embora. Desculpa lembrar. Eu, você, seus amigos. Sabemos disso desde o começo, mas toda vez que lembramos essa partida vem como um susto, algo inesperado. A notícia se alastra como os vírus que vemos na televisão: primeiro a família, amigos próximos, colegas de trabalho. Para cada pessoa que morre, existe um círculo de feridos com essa dor, essa angústia, essa mistura de tristeza e protesto que nos contagia sempre que sabemos alguém se foi.

Parece mesmo muita injustiça ser tirado daqui sem aviso prévio. A gente vai e não leva nem uma escova de dente. Quem dirá os móveis planejados, a conta bancária, os diplomas que batalhamos tanto pra conseguir. Vamos e deixamos inclusive esse corpo que a gente fala mal quando olha no espelho e o cabelo que cresce deixando raiz.

Estranhamente, boa parte do que nos preocupa importa pouco ou muito pouco para quem fica. As rugas na testa, os sinais no colo, a gordura localizada contra a qual travamos batalha. Ninguém liga.

Pouco importam também o nosso cargo ou a falta dele. Seremos lembrados por coisas mais simples: como a amiga que sabe guardar segredos, ou aquela que fazia todo mundo rir. Como quem se mantinha firme na tempestade ou fazia do seu coração um abrigo. Por mais que o sucesso seja reverenciável, nossos outros papéis contam mais: o de filhos, de pais, de vizinhos de prédio ou companheiros de canastra.

Só não digo que deixamos tudo porque ficam as relações. Ficam os exemplos, as bandeiras que defendemos, aquilo que ensinamos. Ficam, acima de tudo, os que ficam sem uma parte. Enquanto a gente se contorce em busca de propósito, aqueles que nos amam têm muito claro o quanto a gente significa. Parece ironia ter que seguir em frente com esse buraco, mas a vida é religiosa em seguir acontecendo.

Com o passar do tempo, a dor dá lugar a algumas certezas: a certeza que precisamos fazer festas de aniversário maiores, que precisamos responder mensagens de amigos com mais urgência, a certeza de que os nossos planos, mesmos os mais estruturados, são apenas uma possibiliade e o nosso tempo não é garantido.

Existe muita gente que eu levo dentro de mim e que eu preciso que estejam bem para que eu tenha um dia feliz. Amigos, primos, pessoas que fizeram parte das minhas aventuras de colégio e outros com quem convivi muito pouco, mas o suficiente para conquistarem o meu carinho por toda a eternidade. Nossas conexões mais relevantes não precisam de internet. Há muita gente que eu amo sem dizer e que me alegra pelo fato de existirem.

Eu cresci ouvindo que “Deus é amor”, mas sempre preferi o contrário. No meu pouco entendimento, o amor é Deus. É essa troca, é esse se importar que dá sentido à nossa existência. O amor está aqui, claro, consistente, falível (porque somos humanos), mas incontestável. O amor nos torna insubstituíveis e absolutamente vulneráveis, nos dá base, esperança e direção.

Um dia, voltaremos pro Universo com o mesmo descompromisso com que chegamos.

A gente vai, o amor fica.

Amor não precisa de corpo.

Quantos anos você tem mesmo?

Photo by Crystal de Passillé-Chabot on Unsplash

Meu aniversário este ano foi diferente. Diferente dos outros, que chegam leves e felizes, esse veio com peso de data de validade. 36 não é 35. Nem que seja por um dia, agora você já passou da linha da idade certa. As noites que antecederam o “meu dia” foram preenchidas por leituras sobre congelamento de óvulos, adoção, e porcentagens sobre o risco de uma gravidez tardia. Independente da fonte, todas as matérias concordam que seria benéfico ter começado antes. 32 era melhor que 35. A pesquisa me fez pensar sobre a importância da data de nascimento.

Não tenho nenhuma dúvida de que o tempo é soberano. As rugas aparecem, os joelhos cansam, minha disposição para ficar acordada a noite toda, por exemplo, foi embora assim que eu terminei a faculdade. Hoje em dia, ressaca às vezes tem sintomas de doença grave e eu sinto falta da época em que drinks extras eram simplesmente motivo para rir no café da manhã. Outras coisas, por outro lado, não mudaram muito. Tenho preguiça de dobrar roupas exatamente como quando adolescente. Gosto de salgadinhos como criança. Só não digo que a minha disposição esportiva é de uma pessoa idosa para não ofender pessoas idosas. Em comédias românticas, eu tenho 16. Em filmes de terror, me assusto como se tivesse 6 e continuo fechando os olhos nas cenas de crime. 

O que eu vejo, na prática, é que enquanto a gente varia de idade durante o dia, às vezes conforme o humor, a presença ou não de sol ou de companhia agradável, o ano da carteira de identidade continua exercendo sobre nós um poder constante. Essa pressão vai muito além dos “16 para votar” e  dos “18 para dirigir”. Casar antes dos 32, ter o primeiro filho antes dos 35, o segundo antes dos 38. Comprar um apartamento antes dos 40. Construir uma carreira antes dos 42. Em 2019, a minha sensação é que ainda estamos pautados por essa corrida de obstáculos como se a vida fosse terminar aos 60.

Às vezes, a vida termina amanhã. A gincana, mais do que produtiva, me parece apenas estressante. Em vez de levantar a bandeira da idade, como muita gente faz, ou escondê-la, eu queria que fosse possível, simplesmente, não focar tanto nisso. Que todo o mundo tenha o direito de recomeçar quantas vezes forem necessárias, que estabilidade não se torne uma obrigação, que a gente consiga admirar o outro pela persistência, inteligência, flexibilidade, sem usar o parâmetro silencioso do “nova” ou “velha” demais. 

O espelho sabe quantos anos eu tenho. Essa sensação de fracasso ao passar por todos esses prazos sem conseguir vencê-los não ajuda a manter um olhar positivo sobre nós mesmos. A gente perde um pouco do brilho e do amor próprio toda vez que se ajusta para caber nessas expectativas apertadas que a gente nem sabe quando criou. 

Antes de culpar as pressões alheias, talvez seja uma boa hora para reconhecer as nossas. Talvez precisaremos de um botox para nos manter otimistas e entender que o mundo mudou mesmo. Nós temos mais liberdade, mais escolhas. Em boa parte dos casos, a nossa linha do tempo vai ser diferente da dos nossos pais. Nem todos os casamentos duram para sempre, salários promissores não são a regra. Afirmo, por experiência própria, que ficar para tia está longe de ser uma derrota.

Independente da data, o meu desejo para mim e todos vocês é que a gente continue corajoso. Depois de pensar sobre os aniversários, concluí que o oposto da juventude não é a velhice. 

O oposto da juventude é o medo.

As ruas ainda têm os mesmos nomes, mas hoje levam a lugares diferentes.

Photo by Cassiano Pomsas on Unsplash

Cai sem querer numa coluna do Cacau Menezes. Um quê de bastidores, um quê de verdade e menções elogiosas a pessoas que eu não conheço. Cacau não muda, pensei comigo ao ler o primeiro parágrafo. Pensar no Cacau me fez lembrar de Florianópolis. Fui imediatamente arremessada às memórias da minha infância.

Quando eu era pequena, a Disney era longe demais. Minha noção de paraíso era a Varinha Mágica, uma papelaria na Esteves Júnior, onde todos os meus sonhos de consumo estavam ao alcance: geleca colorida, lapiseiras, cartolinas e penais de lata. Se eu me comportasse muito bem, era possível que eu ganhasse uma cartela de brincos de adesivo depois da aula, ou aqueles estojos cheios de canetinha, compasso e transferidor de aniversário.

Outra possível recompensa em caso de bom comportamento era pedir um lanche no carro no Kais Ki Dum. Lembranças de um tempo mais inocente, enquanto ainda confiávamos na maionese. Sofisticação, para mim, criança, era comer no Aeroflop e admirar o chafariz do ARS.

O centro do mundo ficava na Pracinha do Catarinense, onde podíamos comprar churros com doce de leite e, nos dias mais interessantes, assistir a uma briga de alguém de outra turma. A Pracinha dos Namorados, menos efervescente, tinha uma banca sempre aberta. Talvez minha primeira noção de loja de conveniência venha de lá. Lembro de comprar raspadinhas, turma da Mônica e envelopes de figurinhas nos finais de semana.

Antes da construção do Shopping Beiramar, a impressão que eu tenho é que cada endereço tinha uma função: roupas de inverno no Entrelaços, brinquedos nas Americanas, uniforme do colégio na Andra, mochilas na Company e sorvete no Seu Didi, em frente ao menino Jesus. Chique era morar em apartamento e passar o verão em Canasvieiras.

Eu conheci a Lagoa antes dos hippies e Jurerê antes das celebridades. Na minha adolescência, o sucesso dos shows no LIC era medido pela fila do morro da Lagoa, enquanto as debutantes do Clube Doze revezavam-se nas colunas do jornal. Fui a incontáveis festas no Café Cancun, que virou El Divino, que virou Cash, que virou Seven, e que foi, antes de tudo isso, uma casa abandonada com um grafitti de sorvete com barata. A Ponte Hercílio Luz sempre esteve interditada. Lembro de ir ao Planeta Atlântida e conhecer o Ibiza, que virou X, que virou Stage, e o Google Maps me diz que continua assim.

Em Florianópolis, as ruas ainda têm os mesmos nomes, mas hoje levam a lugares diferentes. Ao mesmo tempo que celebro as novidades, guardo com muito carinho essa cidade aconchegante e divertida que aconteceu há tanto tempo.

Tudo mudou, menos o Cacau Menezes.

Ontem eu achei um emprego. Hoje eu pedi demissão.

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Ontem eu achei um emprego. Hoje eu pedi demissão.

Vou explicar o motivo para que vocês se saiam melhor do que eu.

Desemprego mata a auto-estima. Você passa horas procurando vagas, mandando currículos, ajustando cada descrição para parecer o candidato perfeito e nada. Nenhuma ligação. Dia após dia, a menos que você esteja muito bem preparado para essa situação, a fé na sua própria experiência começa a se desintegrar. É difícil manter o entusiasmo diante de uma rotina tão frustrante: para cada posição que você tem chances, existem pelo menos dez que você não tem.

E então o telefone toca. Boas notícias. Você marca uma entrevista para o dia seguinte e a ansiedade é tão grande que você mal consegue dormir. Você chega lá antes do horário e repassa na cabeça o que vai dizer. A conversa vai bem e eles te oferecem a vaga. Mesmo que a primeira impressão não tenha sido o que você esperava, porque você não está 100%, você aceita o trabalho sem fazer muitas perguntas.

Foi o que eu fiz e já adianto: não vale a pena. Bastaram pouquíssimas horas para que eu conseguisse perceber que tinha deixado passar um aspecto simples, mas absolutamente necessário: a honestidade. Não vou entrar em detalhes, mas, se eu fosse resumir, diria que a minha função seria vender algo que eu jamais compraria.

Como, claro, eu seria paga por isso, passei a noite toda tentando achar um ponto de vista mais amigável para enxergar essa história. Depois de várias considerações bem incômodas, cheguei à conclusão de que único ângulo decente seria do lado de fora. Faço parte do grupo dos que preferem parecer ingênua do que ser “muito esperta”.

Essa foi a primeira vez que eu pedi demissão antes mesmo de assinar o contrato. Não quero julgar ninguém: se eu tivesse família dependendo de mim, é muito provável que todo esse processo ficasse mais complicado. O que eu queria dividir com vocês foi o que aprendi com essa experiência: um trabalho que obriga a agir contra o que você acredita pode ser tão desgastante quanto estar sem trabalho.

Aos que estão procurando emprego, recebam o meu abraço. Um CV não resume o que você é. Buscar o que se quer exige coragem.

Ilusões de supermercado

Photo by Orlova Maria on Unsplash

Almocei em um restaurante ótimo. Diferente do costume, esse era bem natural. Enquanto experimentava saladas coloridas com sabores refrescantes, recebi a visita de uma velha ilusão. Imaginei a mim mesma abrindo a geladeira. Depois de poucos segundos de claridade, vejo pilhas de potinhos de frutas e vegetais lavados e picados em tapperwares com tampa. Como sempre, a fantasia foi longe: aboliria o glúten, faria pratos elaborados, teria porções diversas esperando no congelador. 

Todo plano, enquanto plano, parece fácil. Na prática, sei que a realização nunca passa da geladeira. É lá, na escuridão da última gaveta, que as folhas de alface murcham na esperança de preparo imediato e onde as inocentes abobrinhas são substituídas por pipoca, Doritos ou iogurte natural. Sofrem com o mesmo descaso a beringela e a batata doce, que amargam minha indiferença até o dia do “se não comer, vai estragar”.

Hortaliças só aumentam o meu remorso. Ao jogar na lixeira aqueles maços para dez pessoas, sou eu quem preciso assumir meus podres: tenho preguiça de lavar, de descascar, sou incapaz de picar qualquer coisa em pedaços grandes ou pequenos, pois trabalho apenas com tamanhos variados: grandes, médios, pequenos, bem pequenos, muito grandes.

Nas minhas raras investidas culinárias, assim que a louça começa a se acumular, os pensamentos se encadeiam de forma automática: Meu Deus, como dá trabalho. Quanta coisa. Vou deixar as panelas para amanhã. E então eu organizo a pia e deixo tudo para amanhã.

Se toda ilusão tem um fim, a minha tem três. Durante a semana termina em tapioca. Nos fins de semana, hambúrguer ou pizza. Apesar da lista de compras com indícios de boa vontade, meu forno continua novo e os potinhos vazios. 

Mesmo com esse desempenho triste, de vez em quando a esperança de blogueira fitness ainda vem me visitar. Não quero decepcioná-la. Trocarei o jantar por cerveja, mas já baixei um aplicativo de dieta só pra poder puxar assunto.

Sobre o “o desespero” das mulheres de 30.

Photo by Roman Kraft on Unsplash

Ouvi dizer que as mulheres de 30 estão desesperadas. Estamos. Estamos agoniadas. Temos perdido o sono armando planos pra caçar um homem pra chamar de nosso. Um marido para arrastar para as festas e mostrar ao mundo que a gente deu certo. Porque isso que a gente faz todo dia, de trabalhar, almoçar, encontrar gente, não é vida. Vida vai ser quando nós tivermos uma aliança cara, o dia que entrarmos na igreja para dizer o sim da eternidade. Esse tipo de promessa, aliás, sempre parece muito suave, sabe? Dizem que casamento é tão tranquilo que nós temos cogitado nem namorar. Queremos um amor à primeira vista pra contar para os filhos. Ah, filhos. Um dia desses a gente engravida “sem querer” só pra realizar esse sonho. Não é assim?

Não, não mesmo, mas “desespero” é uma palavra tão pesada que sempre me faz imaginar absurdos. Pessoas em desabamentos ficam desesperadas. Pais que perdem a família ficam desesperados. Desespero, ao meu ver, é um sentimento bem distante do que alguns encontros deveriam provocar.
Quando penso nas razões que levam a formular esse tipo de frase, vejo que estamos sendo mal interpretadas. Pode ser que estejamos impacientes, verdade, e é possível também que a nossa sinceridade seja até um pouco assustadora. A pressa, entretanto, tem menos de loucura do que de praticidade.


Vou dar um exemplo estranho: imagine que o amor é uma geladeira, dessas imensas, bonitas, prateadas. Ninguém compra uma assim só porque a oferta é boa. Seria muita inocência acreditar que alguém que mora em um flat vai resolver mudar de casa só porque o IPI baixou. Só vai querer geladeira quem vê valor e já reservou esse espaço.


Sei que a metáfora é horrível, mas, na minha cabeça, um relacionamento exige interesse e se não houver disponibilidade é melhor nem começar. A essa altura, todo mundo já tem uma história e a ideia de que convivência é muito fácil só persiste para os mais desavisados. Querer demorar menos para descobrir se a vida do outro comporta esse tipo de experiência é uma questão de pragmatismo.


Desespero seria aceitar uma situação que não nos é confortável. Seria acreditar que existe um protocolo e que todo mundo merece 120 dias de teste antes que a gente possa se pronunciar. Desesperador seria não entender que as pessoas querem coisas diferentes e que não dá pra forçar ninguém a mudar de ideia.


Eu não uso mais as mesmas saias de antigamente, eu não frequento as mesmas festas da adolescência. Com os anos, deixei de gostar de várias coisas, não porque fossem ruins, mas porque eu mudei.


O fato de uma mulher querer casar não significa que ela vai noivar com o primeiro que aparecer. O fato de ela querer ter filhos não significa que pretende engravidar de qualquer um. Existem diferenças escandalosas entre uma situação e outra e, se você se não consegue perceber, então talvez seja mesmo melhor partir.


Vá tranquilo, querido.
Você nos faz um favor.

Corredor Xing Ling – Sobre redes sociais e desconexões

A utilidade das redes sociais depende da maturidade de quem as usa. No meu caso, zero. Fiquei três dias sem Facebook. Não foi autocontrole. Escrevi uma senha de olho fechado, copiei num e-mail que quase não uso e importunei meus amigos com um papo de alcoólatras anônimos. A parte chocante: não me fez falta. Quando vi que conseguia ficar longe voltei, como todo bom viciado.

Tenho tido algumas dúvidas incômodas ultimamente. Será que algum namorado agressivo repensou sua conduta com nossos posts sobre estupro? Será quem protestou pelo impeachment entendeu a gravidade da palavra pacto? É importante que todo mundo tenha a sua voz. É importante dar volume a assuntos que merecem a nossa atenção, mas fico na dúvida se não estamos todos falando para quem já concorda, se estamos mesmo debatendo alguma coisa ou só gritando sem escutar.

Não sei avaliar o quanto a nossa energia está sendo bem usada. Apesar de tanto contato, eu vejo desconexões. Criamos um tempo paralelo, de novidades sem pausa, e alcançamos a capacidade de concentração de um peixe. Diluímos a informação em notícia, manchete, tweet e sabemos nada sobre muita coisa. Desbloqueamos o celular 150 vezes por dia e falamos o tempo todo sobre nós mesmos.

Imaginei um Facebook físico e a cena me deixou desconfortável. Num corredor Xing Ling, estamos cada um na própria barraquinha, com nossas fotos penduradas, opiniões na moldura, chamando todo mundo para dar uma olhada. O preço é sempre o tempo. Há tendas que juntam mais gente, assuntos que viram tema, mas, como todo comércio, a gente só compra o que quer.

Nem sempre. Tem dias que eu volto cheia de pacotinhos de dor. Com raiva de opiniões absurdas, com vontade de ter o que eu não tenho, com muitos julgamentos apressados que me fazem gostar menos de alguns amigos. Como é tudo muito rápido e as coisas boas se misturam, normalmente eu não percebo quando incluo um peso que ainda não sei absorver.

Sinto que preciso ficar mais atenta: separar melhor o que é desejo do que é frustração, o que é expectativa do que me gera ansiedade, entender se mostrando meu ponto de vista ou só cultivando a minha intolerância. O risco do conteúdo customizado é esse rompimento. Se perdermos a capacidade de ouvir, perderemos a capacidade de nos comunicar.

Ficaremos muito sozinhos.