"Ironias Vulcânicas" ou "A Verdadeira Proporção das Coisas"

Maria chorou mais do que pretendia durante a sua festa de casamento. Devido ao cancelamento dos voos para a Itália, suas duas irmãs não puderam presenciar o sim mais importante de sua vida. Na mesma noite, Lucy e Tristan brindaram felizes em um hotel barato em Paris. Depois de uma despedida dramática no aeroporto, Lucy pegou o primeiro ônibus de volta para o Centro e esperou Tristan no quarto, só de lençol. Permanecem aí desde então. Uma versão Low Cost de nove semanas e meia de amor.

A inglesa Julia, de 13 anos se considera agora a menina mais sortuda da escola. Na última sexta-feira, beijou Manolo, um pouco mais velho, de 14. Se não fosse pelo vulcão, ela teria ido ao chatíssimo encontro anual da família Munch, na Noruega. Está tão agradecida que pensa em criar uma comunidade no orkut “Eija me beija” na qual Alice, sua irmã mais velha, não vai entrar. Para ela, o fim de semana foi uma catástrofe. Por causa do caos aéreo Alice foi obrigada a contar que a”casa de praia da amiga” era, na verdade, um hostel em Amsterdam com o primo surfista do seu namorado. Volta de ônibus hoje à noite. Serão 12 horas para tentar formular uma mentira mais convincente.

Em meio a tantos sentimentos controversos, o único que permanece imparcial é o próprio Eyjafjallajökull. Desconhece a confusão dos aeroporto, não se comove com o prejuízo das companhias e, para desespero dos jornalistas, não cogita abreviar seu esquisitíssimo nome. Apenas cumpre a função de vulcão. Sua monstruosa naturalidade revela a verdadeira proporção das coisas: o amor só parece imenso em nossas vidas microscopicamente importantes.

A armadilha do espelho

À distância, escutou o chamado do pacote de Bono. Trocou de canal, passou as fotos para o Facebook, tentou distrair-se mas a voz se tornava cada vez mais forte e imperativa. Até que não resistiu. Voltou à cozinha. “Só uma”, enganou-se. Comeu a primeira, a segunda e logo pacote se converteu em pequeníssimos farelos.

A deglutição da última bolacha a fez despencar no abismo da culpa. Viu-se incapaz de controlar seus instintos, prisioneira de suas vontades, impotente frente à sua impetuosa e inesgotável gula. Não conseguia entender como um problema com uma solução tão rudimentar podia arrastar-se por tanto tempo.
Talvez fosse melhor que o emagrecimento dependesse de uma série de formulários burocráticos e procedimentos complexos. Pode ser que diante de obstáculos ela se sentisse um pouco mais firme e estimulada, mas não. A saída era simples e só dependia dela. “Começo de novo amanhã”, e foi jantar no Burger King.
No dia seguinte, ao sair do banho, o reflexo de seus excessos apedrejou seu corpo todo. “Daqui em diante, vou viver de salada e Coca Light” prometeu. Antes de sair, virou-se de costas e se certificou novamente de seus rosados braços moles. E mais uma vez ela caiu na armadilha do espelho. Enquanto visse a gordura, pensaria que o peso era o seu único problema. Na verdade, este era apenas o único que estava disposta a enxergar.

Quase

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“Amores Express” , “Apesar dos Negativos”, “Colégio Interno” e “Mochilas da Company” postados em Abril de 2009, “O óbvio ou o peso de ser brasileira”, de maio de 2009, e “Discurso de Formatura do 3º ano”, de setembro.