Você é.

Photo by Ine Carriquiry on Unsplash

Instagram me mandou uma mensagem dizendo que deixaria os likes invisíveis por um tempo. Ao final do texto, declarou sinceramente que “não sabia qual seria o resultado deste experimento”. Pensei comigo “nem nós”. A ideia dessa popularidade oculta me fez pensar em como temos avaliado a qualidade das nossas postagem segundo a atenção que atraímos. Essa métrica se torna um pouco delicada quando aplicada às nossas contas pessoais. Como postamos o nosso dia a dia, não demora muito para que nossa cabeça estabeleça uma relação entre “quanto melhor a vida, mais likes.”  

Embora a lógica faça sentido, não sei dizer ao certo se ela faz bem. Meu feed é cheio de bebês maravilhosamente fofos, frases motivacionais e fotos de viagem. Não acho que as pessoas se importem apenas com a audiência (embora isso conte), mas acredito que estejam interessadas em dividir o que é bom. “Vou mostrar meu carro novo”, “Olha só essa praia”, “Dá pra acreditar nesse prato?” Infelizmente, essa felicidade compartilhada funciona muito bem na teoria. Na vida real, um espaço em que só podemos ser alegres, positivos e cheios de amigos faz qualquer um se sentir extremamente sozinho. 

Não podemos culpar a tecnologia pela falta de sensibilidade do algorítimo, nem culpar a nos mesmos pela nossa inabilidade nos poupar. Na minha opinião, o problema não está na pessoa que posta, nem na que vê, mas na falta de sintonia entre as duas partes. Se um amigo nos procura para dizer que foi demitido, você provavelmente evitaria comentar que acabou de receber uma promoção ou comprar um apartamento, mesmo que você esteja radiante com isso. Entender quando não é hora de comemorar faz parte da nossa natureza. É o nosso jeito de mostrar que você se importa. Seu feed não sabe disso.

O feed não consegue adivinhar a frustração de alguém que está procurando emprego e não consegue sequer uma entrevista, e vai continuar sufocando essa pessoa com posts daquele colega de faculdade que está vencendo na vida, ou aquela conhecida que virou referência na área. Do mesmo modo, casais que estão com dificuldade de engravidar vão se achar os mais incapazes do mundo ao serem bombardeados com fotos de mesversários, chás de revelação e books de recém nascido. Mulheres sem filhos podem pensar que mães são mais felizes. Casados podem pensar que solteiros são mais felizes. Adultos podem pensar que adolescentes são mais felizes. Ao mesmo tempo em que a internet funciona como um grande hall de encontro e apoio, essa ideia constante de que tantos estão mais felizes que nós nos machuca um pouquinho. 

Como humanos, enxergamos o que falta e temos tendência a esquecer que todo mundo é um sucesso e um fracasso ao mesmo tempo.

Não dá pra ser bom em tudo. Tem gente que cozinha bem, tem gente que canta bem, tem gente que sabe fazer dinheiro, tem gente que malha muito, tem gente que ajuda os outros, tem gente que consegue ganhar a vida abrindo produtos no YouTube. O fato de essas pessoas terem uma área muito bem resolvida não significa que todos os planos (familia, amigos, carreira, tempo livre, realização pessoal, passado e futuro) estejam em perfeita harmonia. A vida é uma mesa manca. 

Os posts vão continuar aí e cabe a nós aprender como lidar com isso. Talvez o fato de não termos os likes como prova de aceitação nos faça olhar o conteúdo com mais pureza, como quando viajamos para um país diferente e ainda não entendemos que marcas são mais caras. Será um desafio novo o fato de gostar sem saber se seremos gostados por isso. Como uma prova em que só você sabe a nota, aos populares restará esse prazer de se sentirem influentes, seguidos e amados. A todos os outros nós, pelo menos por enquanto, acredito que alivie esse sentimento de comparação tão difícil de controlar. Que a gente se lembre que não é pior, que não é melhor. A gente só é. 

De cadastro em cadastro, a internet vai perdendo a graça.

Photo by Alex Blăjan on Unsplash

Das três últimas vezes que tentei me inscrever num curso de marketing digital, fui invadida por dúvidas. Estratégias de e-mail marketing, landing pages, webprodutos, free samples. Bastou uma olhada rápida para que eu sentisse um enjoo só de pensar na minha caixa de entrada.

Não quero diminuir os benefícios da internet como espaço inacreditável de compartilhamento e aprendizado, muito menos ou questionar quão eficientes são as técnicas de venda de agora. Queria só dividir a minha visão de usuária, de cliente não convertida, de pingo fora do funil de vendas que tantas vezes sou.

De uns anos pra cá, navegar ficou um pouco complicado. Antes a internet pra mim era um mar. Era uma escolha minha se ia ficar no rasinho, boiando nos videos de gato, chats e emoticons, ou se ia aprender algo a fundo por mais inútil que fosse. Agora, sinto como se estivéssemos num pesque-pague. O e-book é uma isca para pegar meu telefone e me oferecer, mês após mês, uma assinatura anual de qualquer coisa. O começo da matéria sobre colchōes só parece imparcial, até que você entende que foi escrita pela empresa que vende esses colchões e tem, estranhamente, mais de 98% recomendaçōes positivas. O webnar com exercícios para melhorar a autoestima é na verdade uma homenagem da autora para si mesma, com testemunhos duvidosos sobre sua habilidade de transformar seu rato interior em um leopardo estratégico em apenas 10 seçōes de terapia online personalizadas, mas que já estão gravadas desde o ano passado.

“É por tempo limitado”, diz o primeiro email. “Dá pra parcelar”, diz o segundo. O terceiro chega uma semana depois: inscrições prorrogadas, com desconto e dinheiro de volta em caso de arrependimento. Ah, querida, eu nem comprei e já estou arrependida. Unsubscribe.

Antes, a informação estava ali: séria ou duvidosa, completa ou mal-checada, mas, acima de todos esses aspectos, um pouco mais inocente do que hoje.

No LinkedIn, a noção de marketing pessoal nem sempre me parece muito genuína e fico ainda mais incomodada quando eu penso que boa parte do que se mostra como novo tem pelo menos a minha idade. Ainda apreciamos programas de auditório. Adoramos ver gente tentando, seja cozinhar profissionalmente, cantar como um pop star ou emagrecer. Torcemos por histórias de amor e nos entusiasmamos com transformaçōes: cirurgias plásticas, reformas de casa, criancinhas endiabradas que passaram a se comportar. Embora não nos orgulhemos, temos curiosidade pelo que é mórbido ou fora do comum. Ofertas com tempo limitado com benefícios para primeiros compradores são mais antigas que o Polishop.

Amamos aparecer, saber, pertencer e comprar. Ainda não conheci, entretanto, alguém quem se diga feliz ao ser interrompido, pressionado ou comparado com outra pessoa. É assim que eu tenho me sentido e por isso essa visão não tão otimista dos dias de hoje. Antes as pessoas procuravam os produtos. Hoje, a diferença entre pessoas e produtos me parece menos clara.

San Junipero já existe.

Photo by Mitchell Gaiser on Unsplash

Depois de algumas horas no Happn, enfim surge a pergunta:

– Quer migrar de plataforma?

Não. Queria migrar para o teu sofá. Ou melhor, espera, quem sabe você migra pra cá. Queria te ver em tamanho real, movimento, três dimensões. Isso não foi uma cantada. Estou falando sério. Pode parecer meio antigo, mas a gente podia conversar. De verdade, sem edição. Fala o que vem na cabeça e se for ruim a gente ri. Se não tiver graça, tudo bem. Ninguém tem obrigação de se gostar. Muito estranho?

Pensei nisso essa semana. Estava no supermercado, comprando qualquer coisa pra jantar sozinha. Roupa de academia, rabo de cavalo, telefone apitando lá na seção de congelados.

Queria um encontro real. Conhecer alguém sem saber o background todo. Dane-se o que você comeu, onde saiu, quem namorou. O que temos pra hoje, digo, daqui pra frente?

Estamos perdendo tempo. É todo mundo novo ainda e a gente fica aqui nesse bla bla bla insosso como se não tivesse corpo. Só palavra, emoticon, hahaha, hehehe porque senão ofende. Um monte de foto, intriga, ostentação e todo mundo sozinho. A gente leva o telefone para o banheiro, cara. Não diga que estamos bem.

Talvez não tenha sido um bom exemplo, mas o que eu pensei é o seguinte: Se não tem frustração, se não tem fome, se não tem erro, se não tem medo, como pode ser eu?

Você pode decorar essa timeline de trás pra frente e não vai me conhecer. Share, like, hashtag são só ingredientes pra gente se inventar. San Junipero já existe. É mais um tabuleiro para toda essa fantasia que a gente vem vivendo por aqui.

Bom, eu só queria te dizer quê. Humm, ahh tudo bem, eu entendo. Pode ser outro dia, claro, pode sim. Faz assim, então: me add no Face. A gente vai se falando : )