Uma saudade

29 anos. Às vezes, sinto como se fosse ter 25 para sempre, 

mas é claro que eu tenho 29. Tenho tido umas dores 

nas costas, novidade pra mim, e quando comparo as fotos 

de oito anos atrás sinto como se meu rosto estivesse derretendo. 

Vejo que perdi a paciência para conviver com quem eu já não

admiro muito e estou me conformando em me tornar uma dessas 

velhinhas que dirige com o pescoço para frente, colada na direção. 


Ainda saio com frequência e com frequência tento me convencer 

de que ainda estou me divertindo. Antes a festa começava antes 

da festa, amigas disputando um lugar no espelho, música alta e 

maquiagem, a gente passando a chapinha mais uma vez 

só pra ter certeza que não tinha como ficar mais liso.


Bom era aproveitar o sol do meio dia, aquele que queima mesmo, 

voltar pra casa com a pele quente e o cabelo melado de mar.

Eram três meses de verão intenso. Convites, caronas e 

deliciosos cachorros quentes depois das cinco da manhã. 

Tive dezenas de calças brancas, centenas de blusas rosa e 

acabei com o meu cabelo de todas as formas que se pode imaginar.


Não consigo dizer exatamente o que aconteceu em cada ano. 

Parece que a vida achata o tempo como um 

compensado de madeira, mas lembro que cada época 

tinha a sua moda: as calças da Ciclovia, as pochetes da Cantão, 

lurex e shantoon de todas as cores nas festas de 15 anos. 

Depois vieram os tops, os decotes, os cintos de strass,

as argolas de prata e plataformas da Schultz.


Hoje o uniforme são vestidos justíssimos e blusas estilo secretária, 

aos quais aderi por falta de imaginação, e, graças às inúmeras 

pintinhas que me restaram dos verões incríveis, agora passo 

protetor solar em dia nublado e vou à praia de guarda sol.


Só eu sei como me diverti quando o futuro ainda estava tão longe. 

Agora ele está bem perto e de vez em quando eu fico com medo.



Estou sobrevivendo ao pão de queijo

Os lanches do meu trabalho reforçam a imunidade. 
Todos os dias, peço um pão de queijo para levar e 
lá vai ela colocar a luvinha de plástico amassada, 
cuidadosamente guardada embaixo do grampeador. 
A menina deve ter uns 12 ou 13 anos e sorri para mim, 
bonita e envergonhada, enquanto coloca a luva 
com certo rigor acadêmico. 
Acompanho silenciosa e um pouco aflita o trajeto da luva, 
que um dia deve ter feito parte de algum kit de tintura.
A mão abre a gaveta, pega o saco de papel, fecha a gaveta,
abre a porta do forninho, agarra o meu pão de queijo como 
quem colhe uma laranja do alto e me entrega o lanche, orgulhosa. 
A luva volta pra debaixo do grampeador até o próximo cliente.
Pego um canudinho higiênico e saio pensando nessa nossa

ilusão de assepsia. Nada que não aconteça em restaurantes bem 

mais sofisticados. No shopping, o funcionário me entrega 
uma colherinha lacrada e, com a outra mão, enterra os dedos
 na minha casquinha. Álcool gel na fila do buffet a quilo,
onde pegadores contaminados somem sob as folhas de alface. 
Na conhecida rede italiana, a moça limpa os respingos do 
molho do macarrão no meu prato com o paninho da pia. 
E, de tudo isso, o que realmente me enoja são as colherinhas de café. 
A antiga colher de metal num copo com água foi unanimemente
substituída por traiçoeiras colherinhas de plástico que somem 
e se multiplicam numa velocidade incrível. A colher dá duas voltas 
na xicrinha e vai para o lixo simplesmente porque foi usada. 
Anos e anos de decomposição por três segundos de vida inútil.
Procuro uma razão que justifique o desperdício e tenho

a impressão de que fascinados por essa ilusão de limpeza.

Nossos olhos ainda brilham com embalagens ultraresistentes

e hermeticamente fechadas, que, assim como

os sachês de ketchup, a gente abre com a boca.

A ideia da reciclagem alivia o peso na consciência, 

mas não nos exime da culpa. Seria interessante, por exemplo, que
a frase “Recicle” na indestrutível garrafinha de Gatorade 
fosse substituída por algo ainda mais óbvio e impactante

como “Isso continua sendo uma garrafa”.

Talvez só assim, quando tivéssemos que dividir os cômodos de casa 
com vidros de conserva, embalagens de sorvete, marmitas de isopor 
e todo o tipo de potinhos, pensaríamos mais seriamente sobre o 
volume permanente de lixo que se acumula para garantir a nossa 
provisória sensação de limpeza e nos obrigaríamos a procurar saídas 
mais inteligentes e ainda mais desconfortáveis que a reciclagem.
Enquanto isso não acontece, tento levar para a vida o exemplo 
dos meus adoráveis sobrinhos, que ocasionalmente degustam as
 rodas dos carrinhos, experimentam brita e tentam morder as orelhas 
dos meus cachorros com comovente naturalidade.

Pelos últimos três meses, venho sobrevivendo ao pão de queijo e,

ao que tudo indica, já devo estar resistente.

Poderia até contar para a menina que já não faço mais questão

da luva, mas sou impedida pelo senso de responsabilidade. 

Sei que pelo menos a mão dela está protegida.