O que não se explica dói também.

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Falo com as que estão se sentindo no poço, no fundo do poço, o limo do fundo.

Falo com quem acordou no meio da noite ligeiramente ofegante, com quem se acabou no vinho tinto ou no Paracetamol, pra quem repetiu pra si mesmo “eu tenho que disfarçar essa minha vontade de chorar” e chorou.

Falo porque talvez vocês não tenham falado muito ultimamente, pelo menos não sobre o que importa.

Ninguém quer espalhar lamento num tempo em que quem tem saúde não tem o que reclamar.

Mas se você tem, a saúde e as mágoas, eu entendo.

A tristeza não vem sempre assim tão racional.

Mesmo quem tem cama, comida e carinho pode não querer comemorar.

Não é sempre, mas tem esses dias que a conta não fecha.

Que a balança pende pro lado contrário, que a gente olha pra falta e enxerga só o buraco.

Vai passar, tá?

Eu não sei quantas séries inúteis a gente vai aguentar, do sofá pro tapete nesses dias repetidos, mas eu sei que vai passar.

A gente ainda vai se abraçar de novo numa volta de aeroporto e rir sem respeitar distância.

A gente ainda vai sentar em 7 numa mesa de 4 depois do trabalho, cochichar no ouvido, festejar, viajar, ver o mar.

Vai dar tempo de achar um emprego, vai dar tempo de ver as crianças crescendo e mimar nossos pais.

2020 talvez seja o mais triste de todos os anos.

Ninguém passou por isso antes, então é normal se você não souber o que sentir.

Fuja de quem não tem empatia pra escutar ou quiser provar por A+B que “vocē não tem motivo para estar assim”.

Você sabe e eu sei:

O que não se explica dói também.

Conversas comigo mesma durante um treino funcional

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Me dá um texto pra revisar, um discurso pra escrever, um manual pra explicar, uma pergunta pra entender, mas por favor, 10 burpees não.

Eu já estou na academia, tá? Valoriza. Três dias na sequência. Uau. Me deixa aqui nos pesinhos que eu gosto. E não me olha com essa empolgação ao me apresentar uma caixa pra eu pular. Detesto decepcionar, mas não faz o menor sentido. Eu mal ando em linha reta, moço. Às vezes eu tropeço sozinha e nem é tão raro. Se eu vejo uma caixa desse tamanho na rua, eu passo pelo lado. Sempre. Aliás, vamos combinar: saco de areia nas costas? Arrastar peso? Esse treinamento seria mais útil se eu tivesse planos de trabalhar com mudança ou fugir da polícia. Claro, sim, tem o verão. Faço as contas pra quantos dias faltam pro fim do ano e já começo a pensar que deveria ter começado a malhar uma semana antes do Natal só pra não ter tempo de desanimar. Estamos quase em 2020, e o único jeito de ficar forte é fazendo força? Antigo. Talvez essa seja a desculpa mais sem cabimento que você já escutou, mas eu acho que na vida passada eu fui uma planta. Falando nisso, coloquei “verão” como meu objetivo de treino, mas devia ter sido mais específica. Esquece o biquini, moço. O que eu queria mesmo era ser um coqueiro.

Coisas estranhas que eu chamo de amor:

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Docinho. Salgadinho. Queijo. Pão de Queijo. Vinho. Mousse de chocolate. Em tempos de dietas fitness, peço permissão para ser um pouquinho ignorante. Semana passada descobri que o meu jeito de mostrar que eu gosto de alguém inclui açúcar, conservante, se possível, graduação alcoolica.

Jamais convidei alguém para vir a minha casa e tomar sopa. Comer salada, se e somente se incluir presunto parma, queijo gorgonzola e nozes carameladas. Neste caso, podemos dizer, o papel do alface é apenas figurativo. Se tivermos muito em comum, vamos terminar a primeira garrafa de vinho, talvez eu abra a segunda. Na manhã seguinte, é possível que eu acorde com dor de cabeça, mas as chances de arrependimento são mínimas.

Na minha casa, amor é uma mesa cheia. Minha mãe faz bolos quando tem visita. Eu fico feliz com a cozinha quente, o fogão aceso e um menu que sempre considera convidados a mais só pra ter certeza de que não vai faltar. Nos sábados, minha vida tem arroz saindo do forno, sobremesa e refrigerante.

Sempre foi assim? Não. Quando eu era pequena, refrigerante era liberado só no final de semana e todos os sucos eram naturais. No recreio, minha lancheira era feita em casa e o resultado não foi lá o esperado: eu cresci vendo meus coleguinhas tomando suco de caixinha e comendo bolacha recheada, desejando que o meu lanche fosse como o deles.

Hoje em dia eu como de tudo, mas vim aqui confessar o meu amor pelo que se condena. Dói meu coração quando vejo alguém julgando um algodão doce. É só açúcar? Olhando pelo lado dos ingredientes, sim. Pelo lado da experiência, eu considero mais que isso.

Algodão doce é o mais próximo que eu consigo imaginar de uma nuvem e é uma sensação mágica sentir o fio derretendo na boca. Eu lembro de comer algodão doce na praia e ver as bordas ficando molhadas com o vento. Lembro da frustração de quando o palito desgrudava do algodão, mas até disso eu gosto. Vejo gente chamando de lixo o que eu sempre considerei diversão. Entendo o ponto de vista, mas não deixo de achar ofensivo. Não é porque uma comida não tem valor nutricional que ela não tem valor nenhum.

Hoje pensa-se duas vezes antes de oferecer qualquer coisa para uma criança e eu vejo que as mães andam cada vez mais preocupadas. Admiro o empenho e cuidado em selecionar o que é mais sustentável e orgânico. Não quero de maneira nenhuma levantar a bandeira do fast-food ou substituir o trabalho de educar pela desculpa preguiçosa do que é mais conveniente. Queria apenas alertá-las, baseada na minha própria experiência. É possível que a aversão a tudo que não é saudável nutra esse amor invertido pelo que não está ao alcance. Vale para os meninos populares da escola e para Sunday do McDonalds.

Tem coisas que não se explica.

Você é.

Photo by Ine Carriquiry on Unsplash

Instagram me mandou uma mensagem dizendo que deixaria os likes invisíveis por um tempo. Ao final do texto, declarou sinceramente que “não sabia qual seria o resultado deste experimento”. Pensei comigo “nem nós”. A ideia dessa popularidade oculta me fez pensar em como temos avaliado a qualidade das nossas postagem segundo a atenção que atraímos. Essa métrica se torna um pouco delicada quando aplicada às nossas contas pessoais. Como postamos o nosso dia a dia, não demora muito para que nossa cabeça estabeleça uma relação entre “quanto melhor a vida, mais likes.”  

Embora a lógica faça sentido, não sei dizer ao certo se ela faz bem. Meu feed é cheio de bebês maravilhosamente fofos, frases motivacionais e fotos de viagem. Não acho que as pessoas se importem apenas com a audiência (embora isso conte), mas acredito que estejam interessadas em dividir o que é bom. “Vou mostrar meu carro novo”, “Olha só essa praia”, “Dá pra acreditar nesse prato?” Infelizmente, essa felicidade compartilhada funciona muito bem na teoria. Na vida real, um espaço em que só podemos ser alegres, positivos e cheios de amigos faz qualquer um se sentir extremamente sozinho. 

Não podemos culpar a tecnologia pela falta de sensibilidade do algorítimo, nem culpar a nos mesmos pela nossa inabilidade nos poupar. Na minha opinião, o problema não está na pessoa que posta, nem na que vê, mas na falta de sintonia entre as duas partes. Se um amigo nos procura para dizer que foi demitido, você provavelmente evitaria comentar que acabou de receber uma promoção ou comprar um apartamento, mesmo que você esteja radiante com isso. Entender quando não é hora de comemorar faz parte da nossa natureza. É o nosso jeito de mostrar que você se importa. Seu feed não sabe disso.

O feed não consegue adivinhar a frustração de alguém que está procurando emprego e não consegue sequer uma entrevista, e vai continuar sufocando essa pessoa com posts daquele colega de faculdade que está vencendo na vida, ou aquela conhecida que virou referência na área. Do mesmo modo, casais que estão com dificuldade de engravidar vão se achar os mais incapazes do mundo ao serem bombardeados com fotos de mesversários, chás de revelação e books de recém nascido. Mulheres sem filhos podem pensar que mães são mais felizes. Casados podem pensar que solteiros são mais felizes. Adultos podem pensar que adolescentes são mais felizes. Ao mesmo tempo em que a internet funciona como um grande hall de encontro e apoio, essa ideia constante de que tantos estão mais felizes que nós nos machuca um pouquinho. 

Como humanos, enxergamos o que falta e temos tendência a esquecer que todo mundo é um sucesso e um fracasso ao mesmo tempo.

Não dá pra ser bom em tudo. Tem gente que cozinha bem, tem gente que canta bem, tem gente que sabe fazer dinheiro, tem gente que malha muito, tem gente que ajuda os outros, tem gente que consegue ganhar a vida abrindo produtos no YouTube. O fato de essas pessoas terem uma área muito bem resolvida não significa que todos os planos (familia, amigos, carreira, tempo livre, realização pessoal, passado e futuro) estejam em perfeita harmonia. A vida é uma mesa manca. 

Os posts vão continuar aí e cabe a nós aprender como lidar com isso. Talvez o fato de não termos os likes como prova de aceitação nos faça olhar o conteúdo com mais pureza, como quando viajamos para um país diferente e ainda não entendemos que marcas são mais caras. Será um desafio novo o fato de gostar sem saber se seremos gostados por isso. Como uma prova em que só você sabe a nota, aos populares restará esse prazer de se sentirem influentes, seguidos e amados. A todos os outros nós, pelo menos por enquanto, acredito que alivie esse sentimento de comparação tão difícil de controlar. Que a gente se lembre que não é pior, que não é melhor. A gente só é. 

As ruas ainda têm os mesmos nomes, mas hoje levam a lugares diferentes.

Photo by Cassiano Pomsas on Unsplash

Cai sem querer numa coluna do Cacau Menezes. Um quê de bastidores, um quê de verdade e menções elogiosas a pessoas que eu não conheço. Cacau não muda, pensei comigo ao ler o primeiro parágrafo. Pensar no Cacau me fez lembrar de Florianópolis. Fui imediatamente arremessada às memórias da minha infância.

Quando eu era pequena, a Disney era longe demais. Minha noção de paraíso era a Varinha Mágica, uma papelaria na Esteves Júnior, onde todos os meus sonhos de consumo estavam ao alcance: geleca colorida, lapiseiras, cartolinas e penais de lata. Se eu me comportasse muito bem, era possível que eu ganhasse uma cartela de brincos de adesivo depois da aula, ou aqueles estojos cheios de canetinha, compasso e transferidor de aniversário.

Outra possível recompensa em caso de bom comportamento era pedir um lanche no carro no Kais Ki Dum. Lembranças de um tempo mais inocente, enquanto ainda confiávamos na maionese. Sofisticação, para mim, criança, era comer no Aeroflop e admirar o chafariz do ARS.

O centro do mundo ficava na Pracinha do Catarinense, onde podíamos comprar churros com doce de leite e, nos dias mais interessantes, assistir a uma briga de alguém de outra turma. A Pracinha dos Namorados, menos efervescente, tinha uma banca sempre aberta. Talvez minha primeira noção de loja de conveniência venha de lá. Lembro de comprar raspadinhas, turma da Mônica e envelopes de figurinhas nos finais de semana.

Antes da construção do Shopping Beiramar, a impressão que eu tenho é que cada endereço tinha uma função: roupas de inverno no Entrelaços, brinquedos nas Americanas, uniforme do colégio na Andra, mochilas na Company e sorvete no Seu Didi, em frente ao menino Jesus. Chique era morar em apartamento e passar o verão em Canasvieiras.

Eu conheci a Lagoa antes dos hippies e Jurerê antes das celebridades. Na minha adolescência, o sucesso dos shows no LIC era medido pela fila do morro da Lagoa, enquanto as debutantes do Clube Doze revezavam-se nas colunas do jornal. Fui a incontáveis festas no Café Cancun, que virou El Divino, que virou Cash, que virou Seven, e que foi, antes de tudo isso, uma casa abandonada com um grafitti de sorvete com barata. A Ponte Hercílio Luz sempre esteve interditada. Lembro de ir ao Planeta Atlântida e conhecer o Ibiza, que virou X, que virou Stage, e o Google Maps me diz que continua assim.

Em Florianópolis, as ruas ainda têm os mesmos nomes, mas hoje levam a lugares diferentes. Ao mesmo tempo que celebro as novidades, guardo com muito carinho essa cidade aconchegante e divertida que aconteceu há tanto tempo.

Tudo mudou, menos o Cacau Menezes.

Se for pra amar, que eu ame mais.

Se for pra amar, que eu ame mais.

Que seja eu a mais apaixonada, que seja eu a morrer de raiva,

que seja eu a ficar no débito.

Porque amor, pra mim, é perder as contas.

É dar mais do que se tem pra dar.

Quer o meu dia inteiro? Pega.

Quer usar meu carro? É teu.

Eu não fui feita pra mesquinharias.

Amor, pra mim, só é grande quando se já repartiu todos os sonhos,

dividiu todos os planos, quando já se entregou a senha e a chave de casa.

Amor, pra mim, é das coisas imensas.

Dos oceanos, desejos, constelações e galáxias.

Não vejo graça em dosar apoio, em poupar presença,

em guardar carinho.

Deixo para as estatísticas todas as casas decimais.

Não sei amar só um pouco, mas existe, claro, um limite.

Pra me proteger dos que pisam no meu castelo

e depois tentam me convencer que sempre foi só areia.

Para me defender dos que me cobram racionalidade

quando eu me apaixonei por todos os bens que não se declara.

Dos que esperam que eu seja imparcial quando ficou claro,

desde o primeiro momento, que o meu lado é o teu.

Eu sei que passou do limite quando todo esse amor vira falta,

quando insegura eu começo a cobrar de volta

o amor que eu dei de graça.

Sei que passou do limite quando começa a soar desperdício

qualquer esforço pra ficar mais perto.

As promessas passam do prazo. As palavras perdem o crédito.

Sei que passou do limite quando fico carente do que mais me sobra.

De cadastro em cadastro, a internet vai perdendo a graça.

Photo by Alex Blăjan on Unsplash

Das três últimas vezes que tentei me inscrever num curso de marketing digital, fui invadida por dúvidas. Estratégias de e-mail marketing, landing pages, webprodutos, free samples. Bastou uma olhada rápida para que eu sentisse um enjoo só de pensar na minha caixa de entrada.

Não quero diminuir os benefícios da internet como espaço inacreditável de compartilhamento e aprendizado, muito menos ou questionar quão eficientes são as técnicas de venda de agora. Queria só dividir a minha visão de usuária, de cliente não convertida, de pingo fora do funil de vendas que tantas vezes sou.

De uns anos pra cá, navegar ficou um pouco complicado. Antes a internet pra mim era um mar. Era uma escolha minha se ia ficar no rasinho, boiando nos videos de gato, chats e emoticons, ou se ia aprender algo a fundo por mais inútil que fosse. Agora, sinto como se estivéssemos num pesque-pague. O e-book é uma isca para pegar meu telefone e me oferecer, mês após mês, uma assinatura anual de qualquer coisa. O começo da matéria sobre colchōes só parece imparcial, até que você entende que foi escrita pela empresa que vende esses colchões e tem, estranhamente, mais de 98% recomendaçōes positivas. O webnar com exercícios para melhorar a autoestima é na verdade uma homenagem da autora para si mesma, com testemunhos duvidosos sobre sua habilidade de transformar seu rato interior em um leopardo estratégico em apenas 10 seçōes de terapia online personalizadas, mas que já estão gravadas desde o ano passado.

“É por tempo limitado”, diz o primeiro email. “Dá pra parcelar”, diz o segundo. O terceiro chega uma semana depois: inscrições prorrogadas, com desconto e dinheiro de volta em caso de arrependimento. Ah, querida, eu nem comprei e já estou arrependida. Unsubscribe.

Antes, a informação estava ali: séria ou duvidosa, completa ou mal-checada, mas, acima de todos esses aspectos, um pouco mais inocente do que hoje.

No LinkedIn, a noção de marketing pessoal nem sempre me parece muito genuína e fico ainda mais incomodada quando eu penso que boa parte do que se mostra como novo tem pelo menos a minha idade. Ainda apreciamos programas de auditório. Adoramos ver gente tentando, seja cozinhar profissionalmente, cantar como um pop star ou emagrecer. Torcemos por histórias de amor e nos entusiasmamos com transformaçōes: cirurgias plásticas, reformas de casa, criancinhas endiabradas que passaram a se comportar. Embora não nos orgulhemos, temos curiosidade pelo que é mórbido ou fora do comum. Ofertas com tempo limitado com benefícios para primeiros compradores são mais antigas que o Polishop.

Amamos aparecer, saber, pertencer e comprar. Ainda não conheci, entretanto, alguém quem se diga feliz ao ser interrompido, pressionado ou comparado com outra pessoa. É assim que eu tenho me sentido e por isso essa visão não tão otimista dos dias de hoje. Antes as pessoas procuravam os produtos. Hoje, a diferença entre pessoas e produtos me parece menos clara.

Mãe

Já que “Eu te amo” nunca é suficiente, tentei ser mais específica:

Mãe, para mim, era uma porta aberta no meio da madrugada, onde eu me escondia nas noites de pesadelo. Era um beijo de boa noite que às vezes demorava, mas sempre vinha. Era a voz que me contava aventuras quando faltava luz e que consolava meus joelhos ralados. Mãe era o guarda-sol pelo qual eu me guiava nos dias de praia cheia e chá de limão com mel nos dias de resfriado. Lembro de sentar na pia do banheiro para ela pintar minhas bochechas nas festas juninas e de procurar o seu rosto nas arquibancadas no meio das apresentações do colégio.

Eu quis pintar o cabelo, ela me ajudou. Eu quis morrer de amor, ela me acudiu. Eu quis mudar de cidade, mudar de país, mudar de carreira, ela disse vai. Mãe é pra onde corro pra comemorar minhas vitórias e eu volto quando eu perco as esperanças. É a conversa que alivia a minha culpa e a minha dor e cabeça. Mãe é onde eu me sinto mais compreendida e amada. Mãe é a metade que eu tenho fora de de mim.

Para a minha irmã, Inah

Photo by Andrea Tummons on Unsplash

Não se é porque herdei a tua roupa, ou porque eu já copiei o teu corte de cabelo, porque escutei as tuas conversas literalmente por trás da porta, ou me incluí nas festas que ias.

Foram tantos anos cantando as mesmas músicas, fazendo os mesmos programas, escondendo os mesmos segredos, dormindo no mesmo quarto.

Mas em algum lugar desses, que só a saudade explica, ainda te vejo no mesmo quarto de estrelas coladas no teto.

Fui mascote da tua turma, fui tua aluna nas aulas imaginadas nos fins de semana, na mesma época em que dividíamos o controle remoto da tua TV de 14 polegadas.

Crescemos, mas a impressão que eu tenho toda vez que te encontro é uma parte de mim continua lá, te pedindo pra desligar o rádio antes de dormir.

Acho que esse é o poder das irmãs mais velhas: fazer a gente se sentir criança independente do tempo.

Sei que não é de propósito, mas, porque você existe, sinto que eu já nasci encubida de menos responsabilidades.

Você lavava as louças que eu só enxugava.

Você cozinhava enquanto eu botava a mesa.

Você dirigia para me dar carona.

Você passava as roupas e até hoje eu não aprendi.

Você é a minha noção do que é certo e a minha licença para não levar tudo tão a sério.

Os anos se passaram. Você virou adulta, eu virei uma adolescente com mais idade.

Não tem problema. Gosto de pensar que nos tornamos corajosas de maneiras tão diferentes.

Viemos para a vida juntas e continuaremos assim.

No que ficar entre nós duas, você decide o caminho.

Eu te acompanharei, orgulhosa de tudo que és e por tudo que conquistastes.

Cada dia está valendo.

Photo by Andy Falconer on Unsplash

Chego meia hora adiantada para assinar minha demissão. Escolho esperar na padaria em frente ao sindicato, onde peço um café com leite e um pão na chapa. Não, não estou com fome. Estou atrás de conforto. Minha vida nunca ficou pior depois de um café com leite e dessa vez não foi diferente.

Reparo na rua, que é de um asfalto irregular rodeada por vários prédios sem charme. Porque já morei por aqui, sinto carinho enorme por esse endereço. Percebo o garçom que me atende como num bom restaurante, lembro do metrô que me trouxe em menos de vinte minutos, penso na amiga que me hospedou e de repente me vejo tão grata por tudo.

São Paulo me deu amizades, me deu bons trabalhos e um diploma de pós graduação. São Paulo me deu 4 CEPS, 5 quilos e incontáveis garrafas de vinho abertas por motivo de boa conversa. São Paulo me deu amor pela avenida Paulista, pelos cachorros que eu vejo na rua e mais amor por mim mesma. São Paulo me trouxe a calma de quem sabe que a minha pressa não faria a menor diferença nessa confusão e a liberdade de ser só eu. Sou mais uma pessoa tentando a vida e, como pra todo mundo, esse tentar não é um treino.

Embora de vez em quando eu ainda tenha a sensação de estar andando em círculos, quando eu penso no quanto eu mudei nesses quatro anos, vejo que as nossas maiores vitórias são sutis demais para entrar num currículo. Esse sentimento simples de que a vida tem sido boa comigo é, sem dúvida, a minha melhor aquisição.

Apesar do aluguel, do trânsito, do preço dos restaurantes, da concorrência e até da competência alheia, essa cidade me trata bem. Talvez a parte boa de não ter nascido paulistana é poder olhar para cá sempre com o mesmo olhar de novidade e ter a certeza de que eu poderei me surpreender com as medidas, a tolerância e com a mistura dessa cidade mil vezes ainda.

As pessoas sempre me perguntam se eu já me acostumei com São Paulo. De maneira nenhuma. Eu passei a amá-la. É diferente.