Conversas comigo mesma durante um treino funcional

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Me dá um texto pra revisar, um discurso pra escrever, um manual pra explicar, uma pergunta pra entender, mas por favor, 10 burpees não.

Eu já estou na academia, tá? Valoriza. Três dias na sequência. Uau. Me deixa aqui nos pesinhos que eu gosto. E não me olha com essa empolgação ao me apresentar uma caixa pra eu pular. Detesto decepcionar, mas não faz o menor sentido. Eu mal ando em linha reta, moço. Às vezes eu tropeço sozinha e nem é tão raro. Se eu vejo uma caixa desse tamanho na rua, eu passo pelo lado. Sempre. Aliás, vamos combinar: saco de areia nas costas? Arrastar peso? Esse treinamento seria mais útil se eu tivesse planos de trabalhar com mudança ou fugir da polícia. Claro, sim, tem o verão. Faço as contas pra quantos dias faltam pro fim do ano e já começo a pensar que deveria ter começado a malhar uma semana antes do Natal só pra não ter tempo de desanimar. Estamos quase em 2020, e o único jeito de ficar forte é fazendo força? Antigo. Talvez essa seja a desculpa mais sem cabimento que você já escutou, mas eu acho que na vida passada eu fui uma planta. Falando nisso, coloquei “verão” como meu objetivo de treino, mas devia ter sido mais específica. Esquece o biquini, moço. O que eu queria mesmo era ser um coqueiro.

Coisas estranhas que eu chamo de amor:

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Docinho. Salgadinho. Queijo. Pão de Queijo. Vinho. Mousse de chocolate. Em tempos de dietas fitness, peço permissão para ser um pouquinho ignorante. Semana passada descobri que o meu jeito de mostrar que eu gosto de alguém inclui açúcar, conservante, se possível, graduação alcoolica.

Jamais convidei alguém para vir a minha casa e tomar sopa. Comer salada, se e somente se incluir presunto parma, queijo gorgonzola e nozes carameladas. Neste caso, podemos dizer, o papel do alface é apenas figurativo. Se tivermos muito em comum, vamos terminar a primeira garrafa de vinho, talvez eu abra a segunda. Na manhã seguinte, é possível que eu acorde com dor de cabeça, mas as chances de arrependimento são mínimas.

Na minha casa, amor é uma mesa cheia. Minha mãe faz bolos quando tem visita. Eu fico feliz com a cozinha quente, o fogão aceso e um menu que sempre considera convidados a mais só pra ter certeza de que não vai faltar. Nos sábados, minha vida tem arroz saindo do forno, sobremesa e refrigerante.

Sempre foi assim? Não. Quando eu era pequena, refrigerante era liberado só no final de semana e todos os sucos eram naturais. No recreio, minha lancheira era feita em casa e o resultado não foi lá o esperado: eu cresci vendo meus coleguinhas tomando suco de caixinha e comendo bolacha recheada, desejando que o meu lanche fosse como o deles.

Hoje em dia eu como de tudo, mas vim aqui confessar o meu amor pelo que se condena. Dói meu coração quando vejo alguém julgando um algodão doce. É só açúcar? Olhando pelo lado dos ingredientes, sim. Pelo lado da experiência, eu considero mais que isso.

Algodão doce é o mais próximo que eu consigo imaginar de uma nuvem e é uma sensação mágica sentir o fio derretendo na boca. Eu lembro de comer algodão doce na praia e ver as bordas ficando molhadas com o vento. Lembro da frustração de quando o palito desgrudava do algodão, mas até disso eu gosto. Vejo gente chamando de lixo o que eu sempre considerei diversão. Entendo o ponto de vista, mas não deixo de achar ofensivo. Não é porque uma comida não tem valor nutricional que ela não tem valor nenhum.

Hoje pensa-se duas vezes antes de oferecer qualquer coisa para uma criança e eu vejo que as mães andam cada vez mais preocupadas. Admiro o empenho e cuidado em selecionar o que é mais sustentável e orgânico. Não quero de maneira nenhuma levantar a bandeira do fast-food ou substituir o trabalho de educar pela desculpa preguiçosa do que é mais conveniente. Queria apenas alertá-las, baseada na minha própria experiência. É possível que a aversão a tudo que não é saudável nutra esse amor invertido pelo que não está ao alcance. Vale para os meninos populares da escola e para Sunday do McDonalds.

Tem coisas que não se explica.