Quem quer ir embora vai

Sem aviso, sem teaser, sem drama,

sem beijo de despedida, nem longas explicações. 
Vai e não volta para buscar as roupas que ficaram no armário, 
as fotos do dia dos namorados, 
não briga por nenhum tipo de herança dessa história. 

Enquanto a gente ainda gosta, o normal é insistir na trilogia.

Querer um capítulo I que permita um possível capítulo II.

Um final estrategicamente reversível em caso de arrependimento

ou milagrosa mudança de atitude. 

É do protocolo de quem quer ficar revirar assuntos esgotados

e cobrar o amor que falta como um pincher impaciente.

Para os que não têm coragem, a tática é dissimular,

achar uma brecha e jogar a culpa pro outro lado

a fim de se livrar do ônus de pedir desculpas.

Seja por medo ou por esperança, de alguma maneira,

 as histórias se estendem e se enosam.

É privilégio de quem não se importa deixar as coisas

por isso mesmo e sair antes do fim.

Porque, se parar pra pensar, dizer não é fácil.

Digo não para rabanete, agrião, convites para corrida

e buffets de sopa. Digo não para atendentes de telemarketing,

assinaturas do Linkedin, fujo sem cerimônia das pessoas

que me abordam na rua com uma prancheta na mão.

Para tudo que não se quer, dizer não é a coisa 

mais simples do mundo. 
Difícil é deixar de querer.

Os compatíveis

Toda mulher que disser que não é exigente está mentindo.

Existem dezenas de requisitos. Uma prova eliminatória 
que descarta sem dó mais de 90% dos candidatos. 
Que avalia até os que não estão concorrendo, 
que passam na rua, com mulher e filho. 
Uma seleção automática, com critérios já tão incorporados 
que a gente nem se dá conta.

Um cara legal, que nos trate bem, que seja divertido 
e minimamente romântico. Que seja parceiro, 
com valores parecidos e em quem se possa confiar. 
Já perdi as contas de quantas vezes passei essa descrição 
para alguma amiga super bem intencionada, que depois 
trouxe um amigo muito querido para me apresentar. 
E em menos de três minutos de conversa, eu pensava: 
“Meu deus…não”. Demorei até conseguir admitir que

tudo isso só importa num segundo momento.

Antes, vem a lista.

Poderosa, soberana e absolutamente irracional.

Estatura mínima, estatura máxima, uso de decote V 
ou gel no cabelo. Gosto musical, preferências televisivas, 
presença de desafio, ausência de pelos conversando com você. 
Regatas são intoleráveis. Colarzinho de coco instiga a sair correndo. 
Pochete, mocassim, meia preta com tênis e camisetas 
que remetem à Jamaica enquadram-se na mesma categoria.

Todo mundo tem uma lista, por mais preconceituosa que ela seja. 
Adão e Eva por exemplo. Numa dessa se Adão fosse loiro e a 
Eva tivesse os dedinhos muito feios poderiam passar a vida 
jogando baralho ou assistindo TV. Faz parte da lista transformar 
características razoáveis em defeitos incorrigíveis. 
Num processo autoexecutável, nos dá a capacidade de scannear 
as festas mais concorridas até chegar à conclusão: 
“Aqui não tem ninguém pra mim”. 
Cruel e politicamente incorreta, a lista torna invisíveis 
os que não preenchem os requisitos, ao mesmo tempo que 
faz brilhar fluorescentes aqueles que chamo de “os compatíveis”. 

Ele olha, você olha também. De repente se reconhecem,

 numa conexão tão forte que deixa o mundo em stand-by. 
Todo o resto silencia. Às vezes é a fila do supermercado, 
um elevador ou até o metrô às seis da tarde. A sensação que se tem 
é que se o contexto fosse outro é óbvio que dariam certo. 
Amariam-se loucamente num domingo de manhã, 
viajariam no feriado, cantariam juntos as músicas mais cafonas. 
Quase como um pressentimento, parece que, se 
de alguma forma ele pudesse pegar o seu telefone, 
todo o resto estaria encaminhado. E então alguém te pede licença 
e você percebe que a sua estação já chegou. 
Você salta e tudo isso seria mesmo um exagero, 
se não fosse o rosto dele colado no vidro, te olhando na plataforma 
com cara de quem acaba de perder alguma coisa.