Mãe

Já que “Eu te amo” nunca é suficiente, tentei ser mais específica:

Mãe, para mim, era uma porta aberta no meio da madrugada, onde eu me escondia nas noites de pesadelo. Era um beijo de boa noite que às vezes demorava, mas sempre vinha. Era a voz que me contava aventuras quando faltava luz e que consolava meus joelhos ralados. Mãe era o guarda-sol pelo qual eu me guiava nos dias de praia cheia e chá de limão com mel nos dias de resfriado. Lembro de sentar na pia do banheiro para ela pintar minhas bochechas nas festas juninas e de procurar o seu rosto nas arquibancadas no meio das apresentações do colégio.

Eu quis pintar o cabelo, ela me ajudou. Eu quis morrer de amor, ela me acudiu. Eu quis mudar de cidade, mudar de país, mudar de carreira, ela disse vai. Mãe é pra onde corro pra comemorar minhas vitórias e eu volto quando eu perco as esperanças. É a conversa que alivia a minha culpa e a minha dor e cabeça. Mãe é onde eu me sinto mais compreendida e amada. Mãe é a metade que eu tenho fora de de mim.

Sobre o que fica:

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Meu irmão perguntou qual era a melhor lembrança da minha mãe. Passei por Natais, aniversários, dia das crianças e, embora eu me recorde com muito carinho dessas datas, sei que o que mais me marcou não está lá.

A primeira imagem que me veio na cabeça foi uma explosão de cacos de vidro. Eu tinha uns oito anos e estávamos na casa de praia. Os copos ficavam em cima da geladeira, alta demais pra mim. Mesmo cansada de saber que eu deveria pedir ajuda, tentei pegá-los sozinha. Não consegui. A bandeja caiu inteira em cima de mim, quebrando 12 copos simultaneamente. Ao ouvir o barulho, minha mãe veio correndo, checou meu rosto, meus braços, minhas pernas. Eu esperava uma bronca, mas ela me abraçou forte e feliz. Acho que foi ali que eu entendi que eu era amada independente de “se”.

Minha segunda memória vem da mesma época. Estávamos no carro, indo para a escola. Eu estava chorando porque havia esquecido a tesoura. Íamos fazer o cartão de dia das mães e as professoras tinham avisado, bem enfaticamente,  que quem não levasse o material ficaria sem nada. Minha mãe, ao entender meu desespero, foi firme e clara: “Você vai parar de chorar e explicar para a professora que você esqueceu. Ela vai te emprestar. Isso é só uma tesoura”. Até hoje, lembrar desse “só” me ajuda a redimensionar o drama e sofrer um pouco menos pelo que dá pra resolver.

A terceira cena vem da adolescência, não muito fácil para mim. Na cidade onde eu morava o corpo era muito importante e eu vivia quebrando a dieta. Quase todas as minhas amigas já tinham feito lipoaspiração e agora eu queria uma também. “Ou eu mudo (fisicamente), ou eu me mudo” – usei uma frase de efeito na tentativa de persuadi-la. “Então te muda, minha filha”, respondeu sem dó, como quem prefere me ver longe a me ver me comparando.

O que eu levo desses três exemplos é que a gente nunca sabe o que fica. É impossível prever como vão nos lembrar daqui a uns anos. Muito provavelmente, as experiências mais vivas não serão as mais alegres, mas as mais transformadoras.

Ontem eu achei um emprego. Hoje eu pedi demissão.

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Ontem eu achei um emprego. Hoje eu pedi demissão.

Vou explicar o motivo para que vocês se saiam melhor do que eu.

Desemprego mata a auto-estima. Você passa horas procurando vagas, mandando currículos, ajustando cada descrição para parecer o candidato perfeito e nada. Nenhuma ligação. Dia após dia, a menos que você esteja muito bem preparado para essa situação, a fé na sua própria experiência começa a se desintegrar. É difícil manter o entusiasmo diante de uma rotina tão frustrante: para cada posição que você tem chances, existem pelo menos dez que você não tem.

E então o telefone toca. Boas notícias. Você marca uma entrevista para o dia seguinte e a ansiedade é tão grande que você mal consegue dormir. Você chega lá antes do horário e repassa na cabeça o que vai dizer. A conversa vai bem e eles te oferecem a vaga. Mesmo que a primeira impressão não tenha sido o que você esperava, porque você não está 100%, você aceita o trabalho sem fazer muitas perguntas.

Foi o que eu fiz e já adianto: não vale a pena. Bastaram pouquíssimas horas para que eu conseguisse perceber que tinha deixado passar um aspecto simples, mas absolutamente necessário: a honestidade. Não vou entrar em detalhes, mas, se eu fosse resumir, diria que a minha função seria vender algo que eu jamais compraria.

Como, claro, eu seria paga por isso, passei a noite toda tentando achar um ponto de vista mais amigável para enxergar essa história. Depois de várias considerações bem incômodas, cheguei à conclusão de que único ângulo decente seria do lado de fora. Faço parte do grupo dos que preferem parecer ingênua do que ser “muito esperta”.

Essa foi a primeira vez que eu pedi demissão antes mesmo de assinar o contrato. Não quero julgar ninguém: se eu tivesse família dependendo de mim, é muito provável que todo esse processo ficasse mais complicado. O que eu queria dividir com vocês foi o que aprendi com essa experiência: um trabalho que obriga a agir contra o que você acredita pode ser tão desgastante quanto estar sem trabalho.

Aos que estão procurando emprego, recebam o meu abraço. Um CV não resume o que você é. Buscar o que se quer exige coragem.