Memória Ingrata

Como redatora publicitária, escrevo muitas vezes

a palavra inesquecível.

Quase toda a semana, saem da tela do meu computador

momentos inesquecíveis, viagens inesquecíveis,

encontros inesquecíveis.

Recorro ao clichê sem muito orgulho,

plenamente convencida da minha mentira.

Quando penso no passado, vejo que, pelo menos para mim,

o “inesquecível” nunca foi e provavelmente não será

previamente planejado.

É muito particular o processo seletivo da memória.

O que fica guardado nem sempre é o mais importante

ou o mais esperado.

Na minha cabeça, as lembranças são

retalhos de situações desconexas, umas engraçadas,

outras trágicas, mas nada, quase nada,

que poderia ser passado na novela das oito.

Vou dar um exemplo.

Inesquecível para mim foi a primeira vez que

eu passei autobronzeador.

Eu estava na sétima série e lembro de ter pago R$ 17,00

( bastante dinheiro naquela época)

num autobronzeador importado.

A ideia de ficar morena perto das olimpíadas do colégio

era tentadora: perguntariam para onde eu tinha viajado

e eu jamais revelaria o meu segredo.

A fantasia não durou muito.

A primeira decepção foi o cheiro defumado do produto,

que em nada combinava com a sofisticação que eu pretendia.

Ninguém jamais imaginaria que eu tinha ido de cruzeiro para Punta,

no máximo até Santos num caminhão de linguiça.

A segunda foi a minha cor: não fiquei morena, fiquei laranja,

um tom estranho entre o amarelo e o barro,

alguma coisa que lembrava muito mais doença do que férias.

Definitivamente, naquela semana, fui mais olhada do que esperava,

mas é impossível dizer que atingi o meu propósito.

Por algum motivo que não consigo explicar,

lembro dos detalhes até hoje.

Não é que tenha sido ruim, nem bom,

mas que foi inesquecível,

disso eu não tenho nenhuma dúvida.