A gente vai, o amor fica.

Photo by Frankie Lopez on Unsplash

A gente vai embora. Desculpa lembrar. Eu, você, seus amigos. Sabemos disso desde o começo, mas toda vez que lembramos essa partida vem como um susto, algo inesperado. A notícia se alastra como os vírus que vemos na televisão: primeiro a família, amigos próximos, colegas de trabalho. Para cada pessoa que morre, existe um círculo de feridos com essa dor, essa angústia, essa mistura de tristeza e protesto que nos contagia sempre que sabemos alguém se foi.

Parece mesmo muita injustiça ser tirado daqui sem aviso prévio. A gente vai e não leva nem uma escova de dente. Quem dirá os móveis planejados, a conta bancária, os diplomas que batalhamos tanto pra conseguir. Vamos e deixamos inclusive esse corpo que a gente fala mal quando olha no espelho e o cabelo que cresce deixando raiz.

Estranhamente, boa parte do que nos preocupa importa pouco ou muito pouco para quem fica. As rugas na testa, os sinais no colo, a gordura localizada contra a qual travamos batalha. Ninguém liga.

Pouco importam também o nosso cargo ou a falta dele. Seremos lembrados por coisas mais simples: como a amiga que sabe guardar segredos, ou aquela que fazia todo mundo rir. Como quem se mantinha firme na tempestade ou fazia do seu coração um abrigo. Por mais que o sucesso seja reverenciável, nossos outros papéis contam mais: o de filhos, de pais, de vizinhos de prédio ou companheiros de canastra.

Só não digo que deixamos tudo porque ficam as relações. Ficam os exemplos, as bandeiras que defendemos, aquilo que ensinamos. Ficam, acima de tudo, os que ficam sem uma parte. Enquanto a gente se contorce em busca de propósito, aqueles que nos amam têm muito claro o quanto a gente significa. Parece ironia ter que seguir em frente com esse buraco, mas a vida é religiosa em seguir acontecendo.

Com o passar do tempo, a dor dá lugar a algumas certezas: a certeza que precisamos fazer festas de aniversário maiores, que precisamos responder mensagens de amigos com mais urgência, a certeza de que os nossos planos, mesmos os mais estruturados, são apenas uma possibiliade e o nosso tempo não é garantido.

Existe muita gente que eu levo dentro de mim e que eu preciso que estejam bem para que eu tenha um dia feliz. Amigos, primos, pessoas que fizeram parte das minhas aventuras de colégio e outros com quem convivi muito pouco, mas o suficiente para conquistarem o meu carinho por toda a eternidade. Nossas conexões mais relevantes não precisam de internet. Há muita gente que eu amo sem dizer e que me alegra pelo fato de existirem.

Eu cresci ouvindo que “Deus é amor”, mas sempre preferi o contrário. No meu pouco entendimento, o amor é Deus. É essa troca, é esse se importar que dá sentido à nossa existência. O amor está aqui, claro, consistente, falível (porque somos humanos), mas incontestável. O amor nos torna insubstituíveis e absolutamente vulneráveis, nos dá base, esperança e direção.

Um dia, voltaremos pro Universo com o mesmo descompromisso com que chegamos.

A gente vai, o amor fica.

Amor não precisa de corpo.