Andei na roda gigante. Tinha cinto de segurança.
Estranhei a novidade, embora tenha achado bem prudente.
Quando eu era pequena, a gente não usava cinto nem
no banco da frente. Olhando tudo lá de cima,
lembrei da minha infância e percebi que
o politicamente correto nasceu depois de mim.
Colecionei papéis de carta, álbuns de figurinha,
rótulos de cerveja e maços de cigarro. Pra desespero da minha mãe,
lembro de chegar da praia com uma sacolinha cheia
de maços fedorentos e comemorar com o meu irmão
a felicidade de achar um Charm quase intacto
depois de tanto Derby amassado.
Ralei muito joelho, roubei araçá no vizinho,
joguei taco em rua que passava carro.
Brinquei de dardo com ponta, caí de Mobilete,
meu jogo preferido era Alquimia,
que vinha com gaze pra colocar álcool
e esquentar o tubo de ensaio.
Nasci antes do “sem glúten e sem lactose”,
com menos opções de porcarias e criancinhas sedentárias.
Um mundo sem adoçante e de mais suco feito em casa.
Nasci antes da classificação indicativa
e dos desenhos tão violentos.
Sou bem mais velha que a lei seca.
Meu tempo foi tão sem noção que o mesmo Gugu
que anunciava o Pintinho Amarelinho
também apresentava o concurso da Gata Molhada,
no Sabadão Sertanejo.
Lembro da minha mãe tampando meu olho
nas “cenas fortes” da novela e, pelo menos lá em casa,
sexo era um assunto bem enigmático.
A oferta de conteúdo era mais limitada,
restrito à seção de perguntas da Capricho.
Uma vez, fiquei curiosa pra descobrir o que era masturbação
e fui olhar no dicionário. Me arrepia pensar que
hoje essa busca seria feita no Google Imagens.
Não é que o mundo tenha ficado pior, claro que não.
Todo esse desenvolvimento trouxe vantagens
que não caberiam em um parágrafo.
O que eu queria dividir aqui não é o saudosismo,
mas essa esquisita sensação de que,
apesar de todos os excessos, estávamos mais protegidos.