Se for pra amar, que eu ame mais.

Se for pra amar, que eu ame mais.

Que seja eu a mais apaixonada, que seja eu a morrer de raiva,

que seja eu a ficar no débito.

Porque amor, pra mim, é perder as contas.

É dar mais do que se tem pra dar.

Quer o meu dia inteiro? Pega.

Quer usar meu carro? É teu.

Eu não fui feita pra mesquinharias.

Amor, pra mim, só é grande quando se já repartiu todos os sonhos,

dividiu todos os planos, quando já se entregou a senha e a chave de casa.

Amor, pra mim, é das coisas imensas.

Dos oceanos, desejos, constelações e galáxias.

Não vejo graça em dosar apoio, em poupar presença,

em guardar carinho.

Deixo para as estatísticas todas as casas decimais.

Não sei amar só um pouco, mas existe, claro, um limite.

Pra me proteger dos que pisam no meu castelo

e depois tentam me convencer que sempre foi só areia.

Para me defender dos que me cobram racionalidade

quando eu me apaixonei por todos os bens que não se declara.

Dos que esperam que eu seja imparcial quando ficou claro,

desde o primeiro momento, que o meu lado é o teu.

Eu sei que passou do limite quando todo esse amor vira falta,

quando insegura eu começo a cobrar de volta

o amor que eu dei de graça.

Sei que passou do limite quando começa a soar desperdício

qualquer esforço pra ficar mais perto.

As promessas passam do prazo. As palavras perdem o crédito.

Sei que passou do limite quando fico carente do que mais me sobra.

De cadastro em cadastro, a internet vai perdendo a graça.

Photo by Alex Blăjan on Unsplash

Das três últimas vezes que tentei me inscrever num curso de marketing digital, fui invadida por dúvidas. Estratégias de e-mail marketing, landing pages, webprodutos, free samples. Bastou uma olhada rápida para que eu sentisse um enjoo só de pensar na minha caixa de entrada.

Não quero diminuir os benefícios da internet como espaço inacreditável de compartilhamento e aprendizado, muito menos ou questionar quão eficientes são as técnicas de venda de agora. Queria só dividir a minha visão de usuária, de cliente não convertida, de pingo fora do funil de vendas que tantas vezes sou.

De uns anos pra cá, navegar ficou um pouco complicado. Antes a internet pra mim era um mar. Era uma escolha minha se ia ficar no rasinho, boiando nos videos de gato, chats e emoticons, ou se ia aprender algo a fundo por mais inútil que fosse. Agora, sinto como se estivéssemos num pesque-pague. O e-book é uma isca para pegar meu telefone e me oferecer, mês após mês, uma assinatura anual de qualquer coisa. O começo da matéria sobre colchōes só parece imparcial, até que você entende que foi escrita pela empresa que vende esses colchões e tem, estranhamente, mais de 98% recomendaçōes positivas. O webnar com exercícios para melhorar a autoestima é na verdade uma homenagem da autora para si mesma, com testemunhos duvidosos sobre sua habilidade de transformar seu rato interior em um leopardo estratégico em apenas 10 seçōes de terapia online personalizadas, mas que já estão gravadas desde o ano passado.

“É por tempo limitado”, diz o primeiro email. “Dá pra parcelar”, diz o segundo. O terceiro chega uma semana depois: inscrições prorrogadas, com desconto e dinheiro de volta em caso de arrependimento. Ah, querida, eu nem comprei e já estou arrependida. Unsubscribe.

Antes, a informação estava ali: séria ou duvidosa, completa ou mal-checada, mas, acima de todos esses aspectos, um pouco mais inocente do que hoje.

No LinkedIn, a noção de marketing pessoal nem sempre me parece muito genuína e fico ainda mais incomodada quando eu penso que boa parte do que se mostra como novo tem pelo menos a minha idade. Ainda apreciamos programas de auditório. Adoramos ver gente tentando, seja cozinhar profissionalmente, cantar como um pop star ou emagrecer. Torcemos por histórias de amor e nos entusiasmamos com transformaçōes: cirurgias plásticas, reformas de casa, criancinhas endiabradas que passaram a se comportar. Embora não nos orgulhemos, temos curiosidade pelo que é mórbido ou fora do comum. Ofertas com tempo limitado com benefícios para primeiros compradores são mais antigas que o Polishop.

Amamos aparecer, saber, pertencer e comprar. Ainda não conheci, entretanto, alguém quem se diga feliz ao ser interrompido, pressionado ou comparado com outra pessoa. É assim que eu tenho me sentido e por isso essa visão não tão otimista dos dias de hoje. Antes as pessoas procuravam os produtos. Hoje, a diferença entre pessoas e produtos me parece menos clara.

Mãe

Já que “Eu te amo” nunca é suficiente, tentei ser mais específica:

Mãe, para mim, era uma porta aberta no meio da madrugada, onde eu me escondia nas noites de pesadelo. Era um beijo de boa noite que às vezes demorava, mas sempre vinha. Era a voz que me contava aventuras quando faltava luz e que consolava meus joelhos ralados. Mãe era o guarda-sol pelo qual eu me guiava nos dias de praia cheia e chá de limão com mel nos dias de resfriado. Lembro de sentar na pia do banheiro para ela pintar minhas bochechas nas festas juninas e de procurar o seu rosto nas arquibancadas no meio das apresentações do colégio.

Eu quis pintar o cabelo, ela me ajudou. Eu quis morrer de amor, ela me acudiu. Eu quis mudar de cidade, mudar de país, mudar de carreira, ela disse vai. Mãe é pra onde corro pra comemorar minhas vitórias e eu volto quando eu perco as esperanças. É a conversa que alivia a minha culpa e a minha dor e cabeça. Mãe é onde eu me sinto mais compreendida e amada. Mãe é a metade que eu tenho fora de de mim.

Sobre o que fica:

post

Meu irmão perguntou qual era a melhor lembrança da minha mãe. Passei por Natais, aniversários, dia das crianças e, embora eu me recorde com muito carinho dessas datas, sei que o que mais me marcou não está lá.

A primeira imagem que me veio na cabeça foi uma explosão de cacos de vidro. Eu tinha uns oito anos e estávamos na casa de praia. Os copos ficavam em cima da geladeira, alta demais pra mim. Mesmo cansada de saber que eu deveria pedir ajuda, tentei pegá-los sozinha. Não consegui. A bandeja caiu inteira em cima de mim, quebrando 12 copos simultaneamente. Ao ouvir o barulho, minha mãe veio correndo, checou meu rosto, meus braços, minhas pernas. Eu esperava uma bronca, mas ela me abraçou forte e feliz. Acho que foi ali que eu entendi que eu era amada independente de “se”.

Minha segunda memória vem da mesma época. Estávamos no carro, indo para a escola. Eu estava chorando porque havia esquecido a tesoura. Íamos fazer o cartão de dia das mães e as professoras tinham avisado, bem enfaticamente,  que quem não levasse o material ficaria sem nada. Minha mãe, ao entender meu desespero, foi firme e clara: “Você vai parar de chorar e explicar para a professora que você esqueceu. Ela vai te emprestar. Isso é só uma tesoura”. Até hoje, lembrar desse “só” me ajuda a redimensionar o drama e sofrer um pouco menos pelo que dá pra resolver.

A terceira cena vem da adolescência, não muito fácil para mim. Na cidade onde eu morava o corpo era muito importante e eu vivia quebrando a dieta. Quase todas as minhas amigas já tinham feito lipoaspiração e agora eu queria uma também. “Ou eu mudo (fisicamente), ou eu me mudo” – usei uma frase de efeito na tentativa de persuadi-la. “Então te muda, minha filha”, respondeu sem dó, como quem prefere me ver longe a me ver me comparando.

O que eu levo desses três exemplos é que a gente nunca sabe o que fica. É impossível prever como vão nos lembrar daqui a uns anos. Muito provavelmente, as experiências mais vivas não serão as mais alegres, mas as mais transformadoras.

Ontem eu achei um emprego. Hoje eu pedi demissão.

dignity

Ontem eu achei um emprego. Hoje eu pedi demissão.

Vou explicar o motivo para que vocês se saiam melhor do que eu.

Desemprego mata a auto-estima. Você passa horas procurando vagas, mandando currículos, ajustando cada descrição para parecer o candidato perfeito e nada. Nenhuma ligação. Dia após dia, a menos que você esteja muito bem preparado para essa situação, a fé na sua própria experiência começa a se desintegrar. É difícil manter o entusiasmo diante de uma rotina tão frustrante: para cada posição que você tem chances, existem pelo menos dez que você não tem.

E então o telefone toca. Boas notícias. Você marca uma entrevista para o dia seguinte e a ansiedade é tão grande que você mal consegue dormir. Você chega lá antes do horário e repassa na cabeça o que vai dizer. A conversa vai bem e eles te oferecem a vaga. Mesmo que a primeira impressão não tenha sido o que você esperava, porque você não está 100%, você aceita o trabalho sem fazer muitas perguntas.

Foi o que eu fiz e já adianto: não vale a pena. Bastaram pouquíssimas horas para que eu conseguisse perceber que tinha deixado passar um aspecto simples, mas absolutamente necessário: a honestidade. Não vou entrar em detalhes, mas, se eu fosse resumir, diria que a minha função seria vender algo que eu jamais compraria.

Como, claro, eu seria paga por isso, passei a noite toda tentando achar um ponto de vista mais amigável para enxergar essa história. Depois de várias considerações bem incômodas, cheguei à conclusão de que único ângulo decente seria do lado de fora. Faço parte do grupo dos que preferem parecer ingênua do que ser “muito esperta”.

Essa foi a primeira vez que eu pedi demissão antes mesmo de assinar o contrato. Não quero julgar ninguém: se eu tivesse família dependendo de mim, é muito provável que todo esse processo ficasse mais complicado. O que eu queria dividir com vocês foi o que aprendi com essa experiência: um trabalho que obriga a agir contra o que você acredita pode ser tão desgastante quanto estar sem trabalho.

Aos que estão procurando emprego, recebam o meu abraço. Um CV não resume o que você é. Buscar o que se quer exige coragem.

Para a minha irmã, Inah

Photo by Andrea Tummons on Unsplash

Não se é porque herdei a tua roupa, ou porque eu já copiei o teu corte de cabelo, porque escutei as tuas conversas literalmente por trás da porta, ou me incluí nas festas que ias.

Foram tantos anos cantando as mesmas músicas, fazendo os mesmos programas, escondendo os mesmos segredos, dormindo no mesmo quarto.

Mas em algum lugar desses, que só a saudade explica, ainda te vejo no mesmo quarto de estrelas coladas no teto.

Fui mascote da tua turma, fui tua aluna nas aulas imaginadas nos fins de semana, na mesma época em que dividíamos o controle remoto da tua TV de 14 polegadas.

Crescemos, mas a impressão que eu tenho toda vez que te encontro é uma parte de mim continua lá, te pedindo pra desligar o rádio antes de dormir.

Acho que esse é o poder das irmãs mais velhas: fazer a gente se sentir criança independente do tempo.

Sei que não é de propósito, mas, porque você existe, sinto que eu já nasci encubida de menos responsabilidades.

Você lavava as louças que eu só enxugava.

Você cozinhava enquanto eu botava a mesa.

Você dirigia para me dar carona.

Você passava as roupas e até hoje eu não aprendi.

Você é a minha noção do que é certo e a minha licença para não levar tudo tão a sério.

Os anos se passaram. Você virou adulta, eu virei uma adolescente com mais idade.

Não tem problema. Gosto de pensar que nos tornamos corajosas de maneiras tão diferentes.

Viemos para a vida juntas e continuaremos assim.

No que ficar entre nós duas, você decide o caminho.

Eu te acompanharei, orgulhosa de tudo que és e por tudo que conquistastes.

Eu moro do teu lado.

Photo by Orlova Maria on Unsplash

Vi os teus calcanhares na chuva, deslizando fora da sandália, e achei engraçado. Admirei, entretanto, a firmeza do teu andar debaixo d’água, como quem resiste, resignado. Eu, com a camisa molhada sobre a cabeça, já havia deixado a dignidade. Como se não bastasse, falhei em desviar de algumas poças. Meus pés, que antes esperavam por uma noite glamourosa, anseiam simplesmente por meias limpas e a nossa casa.

Casa. Eu escrevo a palavra e logo desconfio que este seja o motivo que pelo qual tenho andado melancólica ultimamente. É possível que eu sinta uma saudade antecipada desse apartamento que não será mais nosso. Eu não gosto tanto assim dessa cidade, mas eu gosto daqui. Eu amo abrir essa porta, eu amo as flores altas que eu vejo no caminho, eu amo a claridade que chega na sala de manhã enquanto eu faço o café. Tudo aqui me lembra nós. Me agrada pensar que, no nosso caso, a coragem veio antes da certeza e que conseguimos nos divertir com tudo o que não foi perfeito até agora.

Antes de viajar, eu não poderia entender direito o que significava ser estrangeiro. Estrangeiro é alguém que sai de um país, mas não chega no outro. A gente fica na borda, um pé aqui outro lá, querendo acompanhar tudo como alguém de carne e osso, sentindo sempre que a vida nos lembra que esta fantasia digital ainda não é suficiente. Estrangeiro é quem calcula o fuso horário antes de fazer a ligação e depois desiste pelo inconveniente. Não faltam meios de comunicar, o que faltam são assuntos que sirvam como ponte. Quando a gente vem pra fora é que percebe como as nossas conexões são delicadas. E só nós sabemos o nosso medo de perdê-las.

É fato: o meu avião aterrissou, mas às vezes tenho a impressão de partes de nós continuam suspensas. A barreira principal não é a língua, mas o passado em comum que nós não temos. Divido com os brasileiros um patrimônio que não precisa ser explicado. As expressões, os sotaques, as receitas que eu conheço, a vida amorosa dos artistas, os sucessos que tocavam na rádio quando a gente era criança. Carregamos como bandeira essa tendência à felicidade, um carnaval interior que quase ninguém entende.

Eu não poderia imaginar antes de vir, mas o processo de chegar é demorado. Vamos tateando, descobrindo, experimentando, até conseguir encontrar o que seja nosso. Quando eu cheguei, eu te reconheci. Hoje, eu tenho como casa esse lado da cama, a metade direita do armário, os porta-retratos na estante e as gavetas de que me apossei. Casa, pra mim, é a mão que você apoia sobre as minhas costas de madrugada, os lençóis que escolhemos juntos e os planos que nos acompanham.

Olhando pros teus pés na chuva eu me vejo por dentro. Minha história contigo é o país que nós fizemos.

 

Para nós que estamos no meio do caminho

alex-king-702976-unsplashPhoto by Alex King on Unsplash

Minha ideia de Austrália era uma capa de caderno dos anos noventa. Pessoas loiras de pele bronzeada, olhos aquáticos em algum cenário de praia. Imaginei a Austrália pelas conversas que ouvi: na minha cabeça isso era um verão sem fim.

Fazia um calor abafado em são Paulo quando decidi que eu vinha. Eu tinha pedido demissão e agora passava os dias enfornada no meu apartamento de um quarto trabalhando de freelancer.Aprender inglês foi motivo que me trouxe, ou pelo menos o mais fácil de explicar.

Dentro de mim, acordava e dormia comigo uma sensação de agora ou nunca. Eu queria uma emoção, uma estreia, uma aventura. Viver qualquer coisa que valesse a pena ser contada ou que pelo menos não pudesse ser tão facilmente esquecida.

Ninguém jamais vai escrever isso numa carta para a imigração, mas um intercâmbio é uma maneira elegante de dizer: licença, preciso ir. E foi assim, sem muita explicação, que eu me retirei. Vendi toda mobilia cuidadosamente escolhida sem nenhum apego. Distribuí as almofadas entre as amigas do prédio. Deixei uns sapatos num brechó perto de casa. Despachei um computador pra Belo Horizonte e quatro malas pra Florianópolis. Só não cancelei a Net porque não consegui.

Na tentativa de minimizar a despedida, disse“‘até breve“. Contei nos dedos pros meus sobrinhos os meses que eu demoraria pra voltar, abracei meus irmãos, deixei minha mãe incubida de doar as roupas que eu sempre me esqueço.

Cheguei em Sydney, e era só até aí que eu tinha programado. O que veio depois foi surpresa.
Agora já faz mais de um ano e eu acredito que passei tanto tempo quieta porque ainda não sei o que concluir. Queria um final definitivo e vibrante, mas na vida real os capítulos não são assim tão claros. Se eu postasse as fotos dos lugares bonitos que visitei, talvez vocês tivessem a impressão de que está tudo resolvido. Não está.

Nesse mundo de comidas fotogênicas, eu queria dividir o provisório, queria dizer eu entendo, eu queria dar um abraço nos que perderam a confiança em si mesmo e repetir, sem nenhuma ciência, que persitir é tão importante quanto deixar. Estamos todos juntos no meio do caminho. O que eu tenho percebido, depois de tanto conflito, é que a vida não entrega o que a gente pede. Mas pode ser que o futuro venha muito mais feliz por causa disso.

Sarah Westphal não tem sanduíche skills.

avi-richards-183715-unsplashPhoto by Avi Richards on Unsplash

“Tentar se encontrar.” Procuro no Google. Como é em inglês? A tradução vem errado. Vamos tentar se encontrar? Assim errado não. Não era isso que eu queria. Penso numa caixa de achados e perdidos. Não existem dois tipos de coisa. Todos os achados são perdidos. Todos os perdidos são achados. Eu devo estar nessa caixa.

Peguei um avião e voltei 8 anos. Parei no lugar mais bonito que eu já vi, dentro de uma rotina que já foi minha. Voltei a dividir casa, a procurar emprego, voltei para a aula de inglês. Da primeira vez que estive fora, acabei ficando só dois meses. Não queria atrasar a faculdade, como se fosse fazer diferença. So agora vejo que eu era nova demais para entender que eu não era velha.

Dessa vez, quero ficar mais tempo. Espero que eu consiga interagir como uma pessoa adulta em uma reunião. Espero não ficar ligeiramente assustada quando alguém me apresenta um amigo estrangeiro. Espero conseguir ser eu mesma sem o português. E olha que o Português é tanto.

Ontem tive minha primeira experiencia de trabalho aqui. Era pra ajudar num restaurante de café da manhã. Não havia nenhum romance. Guardar os pães. Dobrar as caixas. Espalhar molho, ajeitar cebolas caramelizadas, certificar que toda extensão da Ciabbata estava plenamente revestida por duas camadas de peito de frango pálido. Mexer-se rápida e cuidadosamente em corredor frenético. Estava confiante até que sujei o sal de maionese. Dai fui limpar e sujei a luva. Foi então que reparei um fio loiríssimo, dançando sensualmente na minha blusa preta.

Precisei sair. Tirei a luva. Enquanto me espremia para passar pelo balcão do caixa, dei de cara com um cliente. O bar tinha aberto e eu nem sabia. Era só o começo. Na volta, esbarrei na prateleira. Quase chutei o baldinho das facas. Olga, a garçonete russa, notou minha saída sorrateira. O sotaque é carregado, mas eu entendo. “Essa metade é desse pão?” Uma baguete desquitada me incrimina. Troquei os pares de lugar para conseguir alcançá-los melhor. Digo que sim. Ela responde: “Porque eles são diferentes. Voce sabe.”

Não, Olga, eu não sei.

A dona me pergunta me apresenta uma folha bem fina e pergunta se eu já enrolei um sanduíche. Nunca. Penso na minha vida profissional. Muita experiencia com folhas, mas com cozinha nada. Duas horas depois, eu estou dispensada. O gerente fala comigo fluentemente, foi enganado pelo meu nome. Digo que sou brasileira, enquanto ele anota meu telephone no papel. Lembro que eu havia levado um currículo, mas acho mais prudente deixar assim. O essencial ele sabe: Sarah Westphal não tem sanduíche skills.

San Junipero já existe.

Photo by Mitchell Gaiser on Unsplash

Depois de algumas horas no Happn, enfim surge a pergunta:

– Quer migrar de plataforma?

Não. Queria migrar para o teu sofá. Ou melhor, espera, quem sabe você migra pra cá. Queria te ver em tamanho real, movimento, três dimensões. Isso não foi uma cantada. Estou falando sério. Pode parecer meio antigo, mas a gente podia conversar. De verdade, sem edição. Fala o que vem na cabeça e se for ruim a gente ri. Se não tiver graça, tudo bem. Ninguém tem obrigação de se gostar. Muito estranho?

Pensei nisso essa semana. Estava no supermercado, comprando qualquer coisa pra jantar sozinha. Roupa de academia, rabo de cavalo, telefone apitando lá na seção de congelados.

Queria um encontro real. Conhecer alguém sem saber o background todo. Dane-se o que você comeu, onde saiu, quem namorou. O que temos pra hoje, digo, daqui pra frente?

Estamos perdendo tempo. É todo mundo novo ainda e a gente fica aqui nesse bla bla bla insosso como se não tivesse corpo. Só palavra, emoticon, hahaha, hehehe porque senão ofende. Um monte de foto, intriga, ostentação e todo mundo sozinho. A gente leva o telefone para o banheiro, cara. Não diga que estamos bem.

Talvez não tenha sido um bom exemplo, mas o que eu pensei é o seguinte: Se não tem frustração, se não tem fome, se não tem erro, se não tem medo, como pode ser eu?

Você pode decorar essa timeline de trás pra frente e não vai me conhecer. Share, like, hashtag são só ingredientes pra gente se inventar. San Junipero já existe. É mais um tabuleiro para toda essa fantasia que a gente vem vivendo por aqui.

Bom, eu só queria te dizer quê. Humm, ahh tudo bem, eu entendo. Pode ser outro dia, claro, pode sim. Faz assim, então: me add no Face. A gente vai se falando : )